A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 8ª PARTE — CAPÍTULOS 22 A 24

22 – DORMINDO NA DELEGACIA

Primeira Página do Correio Paulistano de 3 de janeiro de 1942.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 3 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão no rumo de São Paulo. No final do dia eles chegam em Araçoiaba. O que o destino vai aprontar?)

Na manhã seguinte, um sábado, 3 de janeiro de 1942, os escoteiros foram acordados pelo barulho que os caminhões e automóveis faziam ao passar pela casa abandonada onde estavam alojados.

Nesse dia, não havia nada o que comer. A solução foi caminharem em jejum até o próximo lugar que estivesse aberto. Com fome, as reclamações apareceram mais nítidas. Os meninos reclamaram muito com o chefe Beto, a quem acusavam de negligência. Como ele não havia previsto aquela parada abrupta no meio do nada, sem se prevenir e comparar comida?

Enquanto caminhavam rápidos em busca do que comer, os rapazes rapidamente deixaram pra trás o andarilho que lhes fizera companhia na noite anterior. O pobre homem, que também ia pra São Paulo, não conseguiu acompanhar o ritmo mais rápido dos escoteiros, embora estes carregassem em geral bastante peso.

Eram quase dez horas da manhã quando chegaram em Capela do Alto, uma pequena localidade a beira da pista. Lá, encontraram algo para comer. Depois de saciados, tudo pareceu mais fácil. Agora a caminhada se fazia por colinas suaves, que cortavam diversas plantações de abacaxis e ananases. Neste passo, às 17 horas, chegaram na cidade de Campo Largo de Sorocaba, hoje Araçoiaba da Serra.

Ali, não havia hotéis ou pensões. O jeito foi pedir alojamento na delegacia de polícia. A delegacia de polícia de Araçoiaba era muito limpinha, segundo Lídio. Uma família amiga (seriam conhecidos de Antonina?) providenciou uma farta janta para os rapazes.

Novamente descansados e de estômago cheio, os bravos rapazes saíram pela cidade no sábado à noite, em missão de reconhecimento. Entraram num bar, onde uma radiola estava tocando músicas animadas. Ali se informaram um pouco mais sobre a cidade.

Araçoiaba possuía nesta época 2 mil habitantes, e tinha uma praça muita bonita e iluminada, em frente à matriz. Ao lado da igreja estava o cinema, um grupo escolar e um clube social.

Ao voltar à delegacia, encontraram o Chefe Beto conversando animadamente com o delegado. O delegado, chamado por todos de Gaúcho, era um 2º tenente da força pública estadual. Já um tanto idoso, segundo o parecer de Lídio, era também muito atencioso e conversador.

Lídio ficou curioso, entretanto, com os cartazes de procurados pregados nas paredes da delegacia. Nunca havia visto esse tipo de cartaz, a não ser nos filmes.

O que mais o espantou foram os nomes dos crimes atribuídos a cada um. Anotou: escruncho, punguista, escroque, rufião, estuprador. A maioria, entretanto, eram os assassinos.

Para alívio de Lídio e dos demais rapazes, a delegacia neste dia estava vazia.

23 – MANDUCA BAIXA AO HOSPITAL

A cidade de Araçoiaba da Serra, a Antiga Campo Largo de Sorocaba. Ao fundo, o belo Moro do Araçoiaba.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 4 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de Araçoiaba e chegando em Sorocaba. Manduca, doente, tem que ir ao hospital!).

Os rapazes partiram cedo de Araçoiaba. Faltavam só 140 quilômetros até São Paulo, o que ainda demandaria quatro dias de marcha. Lá pelas dez da manhã o sol ia impondo o ritmo da caminhada. A água que eles tinham era muito salobra, e não matava a sede. A caminhada era penosa, feita sob o sol quente.

O que os ajudou neste caminho foram as laranjas. Como conta Lydio, Araçoiaba, antigamente conhecida por Campo Largo de Sorocaba, tinha extensas plantações de laranja. Segundo nos conta, estas laranjas eram consideradas as mais doces do mundo, sendo exportadas para o exterior.

No entanto, o laranjal também tinha problemas éticos a oferecer. Segundo Lydio, o 9º artigo da lei do escoteiro diz que “o escoteiro é econômico e respeita o bem alheio”. Quando acabavam as laranjas que eles haviam levado, e não querendo se apropriar indevidamente do produto, os meninos ficavam mesmo com sede sob o sol escaldante, olhando, com água na boca, as laranjas madurinhas nas laranjeiras bem na frente deles.

À esquerda da estrada que os meninos seguiam estava o famoso morro do Araçoiaba. Destacando-se na planície, o morro era um dos marcos mais importantes do planalto de Sorocaba. É formado por rochas ígneas alcalinas que perfuraram os sedimentos paleozoicos havia uns 60 milhões de anos.

O morro não se destacava somente pelo relevo. Continha importantes jazidas de ferro, que haviam sido mineradas desde o período colonial. Ali estão as famosas “lavras dos Sardinha”, o primeiro registros de fundição do ferro no Brasil. E, também, a grandiosa Fábrica de Ferro de Ipanema, que havia funcionado, com alguns períodos de interrupção, de 1817 até o final do século XIX, tendo fabricado boa parte do ferro consumido no Brasil e estimulado o desenvolvimento da agricultura e da indústria paulista. No entanto, apesar disso, e apesar de tê-lo visto imponente, Lydio não deve ter notado o morro do Araçoiaba, pois não faz nenhuma menção a ele em seu diário.

Às 11 horas da manhã daquele domingo, 4 de janeiro de 1942, os meninos comeram um “qualquer-coisa” numa venda de beira de estrada — uma rápida refeição e um cafezinho temperado com açúcar — os meninos finalmente chegavam em Sorocaba. Às 16 horas, estavam entrando na área urbana da cidade.

Lydio anota que Sorocaba, fundada em 1654 pelo Capitão Baltazar Fernandes, era conhecida como a “Manchester Paulista”, em razão de suas inúmeras fabricas. Tinha, na época, uma população de 120 mil habitantes. Rica cidade industrial, Lydio anota que Sorocaba possui “diversas escolas de ensino superior, duas emissoras de rádio e muitos estabelecimentos bancários”.

Os meninos procuraram alojamento no 7º Batalhão de Caçadores da Força Pública de São Paulo. Lydio considerou o quartel uma maravilha de engenharia militar. Situado numa colina, o quartel dominava toda a cidade. Foram recebidos por um oficial subalterno e conduzidos ao comandante da corporação.

A assistência que recebera no 7º BC foi, para Lydio, “sem igual”. Massacrados pelo sol, os meninos foram imediatamente tomar um banho para se refrescar. Foi quando aconteceu o acidente: antes de entrar no chuveiro, Manduca sentiu-se mal e caiu duro no piso do banheiro. Com o pescoço todo retesado, parecia que estava morto.

Assustados, os meninos procuraram a assistência do quartel. Na enfermaria, constatou-se que o pobre Manduca estava com estafa, subnutrição e diarreia. Foi imediatamente conduzindo para tomar injeção e soro. Nisso, todos os meninos acabaram por fazer exame médico geral. Apesar de cansados, todos estavam bem e foram aprovados no exame médico. Mas Manduca ainda ficaria internado por mais um tempo, para se recuperar.

Finalmente, os meninos tomaram banho e foram jantar. Tiveram direito até a gasosas, e a uma comida reforçada. Comeram muito. Precisavam repor as energias gastas com aquelas caminhadas ao sol quente. Depois, foram passear pela cidade. Andaram por algumas ruas e foram ver uma retreta na praça, também fizeram uma visita à PRD 7 rádio difusora de Sorocaba.

Mas era esforço demais. Os meninos voltaram mais cedo para o quartel e foram dormir, ainda preocupados com a situação de saúde de Manduca.

24 – “SÃO COISAS DA VIDA, COMPANHEIROS!”

Sorocaba, a Manchester Brasileira, em foto de 1940, quando os escoteiros antoninenses passaram por lá.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 5 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão em Sorocaba, onde Manduca teve que baixar ao hospital.)

No dia seguinte, os meninos acordaram cedo no quartel do 7º BC de Sorocaba.

Depois das formalidades militares, tomaram rapidamente o café e foram visitar Manduca na enfermaria. Os rapazes queriam sobretudo, ter mais informações das condições físicas de Manduca. Principalmente, para sabe se ele aguentaria seguir viagem.

Os enfermeiros logo adiantaram que tudo estava bem. Segundo a prescrição médica, sua alta seria realizada somente às 13 horas. Mas Manduca já estava melhor e sorria a todo instante. Quando estes brincaram com ele sobre o susto que havia pregado, Manduca só dizia: “são coisas da vida, companheiros!”.

Enquanto esperavam a alta de Manduca, os rapazes puderam andar pelo quartel e visitar as diferentes alas. Primeiro, cortaram os cabelos, que, segundo Lídio, estavam por cima das orelhas. Visitaram as demais instalações médicas do quartel como os gabinetes dentários, o pronto socorro, as salas de operação, as salas de curativos, etc.

Os rapazes assistiram também os recrutas recém-chegados fazendo exercícios de ordem unida. Lídio anotou que os cabos e sargentos que davam os exercícios eram bastante durões com os recrutas.

Depois, foram ver os pombos correios que eram criados nos quarteis. Viram, com espanto, serem alimentados pelo soldado encarregado da seção de columbofilia, ou seja, de cuidar dos pombos. Andaram pelas baias do quartel, admirando os animais puro-sangue que eram ali criados. Estes eram os cavalos que os soldados utilizavam nos serviços de patrulhamento dos locais mais distantes.

Quando passaram pela seção de música, onde ensaiava a banda do quartel, os meninos foram especialmente homenageados com uma audição de um trecho de “O Guarani”.

No entanto, o que mais chamou a atenção dos meninos foram as armas. Em primeiro lugar, assistiram a uma aula de montagem e desmontagem de um fuzil metralhadora e de uma metralhadora de tripé. Eram armas recém-chegadas ao quartel e atraíam grande curiosidade.

Depois, foram conduzidos ao Cassino dos Oficiais para o almoço. Ali, cada um dos rapazes ficou numa mesa junto com um oficial. Segundo Lídio, o papo foi muito bom.

No início da tarde, um restabelecido Manduca veio se juntar a eles. O 1º sargento Zacarias Berlok era o encarregado do rancho do quartel, e mandou encher as marmitas para que tivessem com que comer mais tarde. Às 13:30 horas, os meninos deixaram o quartel e começaram a andar. De início, cortaram a cidade de Sorocaba de sul a norte. Depois, de boa caminhada, chegaram na vila de Brigadeiro Tobias, onde arrancharam para dormir.

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