A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 11ª PARTE — CAPÍTULOS 31 A 33

31 – DE NOVO NA ESTRADA!

A frente do estádio municipal do Pacaembu: Os escoteiros estiveram aqui de visita em janeiro de 1942.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 12 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca), depois de alguns dias de descanso, estão saindo de São Paulo rumo a seu destino no Rio).

No dia 12 de janeiro de 1942, uma segunda feira, o céu havia amanhecido brusco na capital Paulista. A temperatura havia caído um pouquinho durante a noite. Somente quando a neblina se dissipou é que o sol apareceu.

Os escoteiros de Antonina tinham que prosseguir a jornada. Entretanto, Chefe Beto, Milton, Lydio, Canário e Manduca achavam que não conseguiriam chegar ao Rio em 25 de janeiro, como pediu chefe Maneco. Na verdade, pelos cálculos dos rapazes, a média das caminhadas diárias dava 29 quilômetros por dia, contando com as paradas para almoçar e descansar. Portanto, segundo as contas deles, uma data mais realista para a chegada ao Rio seria por volta de 30 ou 31 de janeiro.

Este era o dia de despedidas da capital, mas ainda tinha muita coisa e muito compromisso. Os rapazes recorreram aos bondes camarão e taxis para cumprir suas tarefas e percorrer todos os locais que precisavam percorrer.

Inicialmente, foi visitado o Departamento de Publicidade de São Paulo, e, em seguida, o Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda. Nestes locais, os rapazes receberam várias homenagens da imprensa paulistana. Em seguida, foram à Agência Nacional, onde ainda posaram para uma foto e foram entrevistados por vários jornalistas.

O compromisso seguinte seria uma visita de cortesia ao governador de São Paulo, no antigo palácio dos Campos Elíseos. Era a antiga residência dos governadores paulistas. Infelizmente, o governador paulista, Dr. Fernando Costa, estava ausente, veraneando no litoral. Representando o governador, o secretário-chefe da Casa Civil do governo estadual os atendeu gentilmente, o que agradou por demais aos rapazes.

Ao sair do palácio, os escoteiros ainda visitaram a redação do jornal A Gazeta. Lá, conheceram o famoso jornalista Dr. Casper Libero, um dos mais importantes nomes do jornalismo brasileiro.

E ainda tiveram tempo (ufa!) de visitar o grandioso estádio do Pacaembu. Lydio descreve o estádio como situado entre duas colinas e em formato de ferradura, como um ginásio de esportes e uma pista de atletismo. Recebidos pelo próprio diretor do estádio, ficaram sabendo que, com capacidade para 50 mil pessoas, o Pacaembu era o 3º em capacidade de público na América do Sul.

Depois de toda esta maratona, os rapazes ainda foram almoçar com o senhor Laudemiro, na Casa Verde. Lá, contam, foi com lágrimas nos olhos que se despediram do senhor Laudemiro e sua família. Depois de quatro dias de intensa convivência, despediram-se saudosos daquele que foi seu amoroso guia em terras paulistanas.

No quartel, também começaram as despedidas. Cumprimentaram o comandante do 1º BC, que os havia tratado tão bem. Lydio nos conta que foi naquela corporação que tiveram seus melhores amigos. “Não se pense”, acrescenta Lydio, “que por serem policiais, não eram bons sujeitos”. Segundo ele, eram melhores que aqueles indivíduos civis que ficam batendo perna pela rua e dão problemas para os policiais.

Por fim, despediram-se de todos no quartel. Foi pouco tempo, mas o bastante para fazer amizades. Oficiais inferiores, sargentos, cabos e praças, todos receberam os rapazes muito bem. Por força dessa simpatia, depois das despedidas, os rapazes ainda foram encaminhados para a cozinha, onde puderam encher os embornais com comida para a viagem.

Às 16:00 deste dia, no Marco Zero do Largo da Sé, os rapazes partiram para a terceira e última etapa da viagem. Eles ainda tomaram um bonde camarão e foram a Penha, de onde pegariam a estrada para o Rio de Janeiro. Ainda passaram, nesta mesma noite, pela pequena vila de São Miguel Paulista, onde procuraram um delegado para assinar o livro de visitas. O delegado insistiu que dormissem ali. Mas eles estavam com pressa.

Os rapazes ainda seguiram mais 8 quilômetros e montaram acampamento num campo em frente a uma casa nas proximidades do rio Tietê. O relógio de Lydio marcava 23:30 horas.

32 – ENTRE GAIJINS E NIHONJINS

Cartaz japonês incentivando a imigração para o Brasil.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 13 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de São Paulo e chegando em Suzano.)

Mal começou a raiar o dia, os cinco escoteiros de Antonina já estavam no seu caminho. Tinham que chegar ao Rio, para cumprir sua missão. Nesta terça feira, 13 de janeiro de 1942, os jornais paulistanos anunciavam a IIIª Conferência dos Chanceleres Americanos, que ia começar no Rio de Janeiro. Esta conferência era uma resposta ao ataque japonês a Pearl Harbour, fazia pouco menos de um mês, e que havia forçado a entrada dos Estados Unidos diretamente na Guerra. Os chanceleres de todos os países americanos iam decidir o que fazer ante a ameaça nipônica.

Entre as notícias que davam conta dos combates na Ásia, uma pequena nota no “Correio Paulistano” falava do raid dos escoteiros. Nela, Chefe Beto falava sobre as impressões dos rapazes sobre o estado de São Paulo. Na entrevista, ele fala da boa impressão que lhes deu a agricultura em São Paulo. Disse que sempre havia com que se abastecer por todo o caminho. Quando a distância era muita, “recorríamos à natureza: na caça e na pesca buscávamos nossa subsistência”, completou ele. E agradeceu a generosidade com que foram recebidos em todas as cidades percorridas. “Prova do espírito de patriótico cooperativismo que anima todos os brasileiros, integrados na cruzada comum de honrar e engrandecer a Pátria”.

Enquanto as grandiloquentes palavras de Chefe Beto eram lidas nos Jornais, os rapazes, Milton, Lydio, Canário e Manduca, estavam passando por perrengues mais ou menos normais da ventura: o tráfego rodoviário na estrada de Poá estava muito intenso. Curvas estreitas, curvas muito fechadas sem parapeitos, e eles viam quase desastres, que não se consumavam por milagre. Mas as casas ao redor eram muito boas, segundo anota Lydio.

Às 11 horas, eles passaram por Suzano. Era uma pequena cidade ainda em formação. O que impressionou Lydio era a grande quantidade de Japoneses. Ali conviviam os nihonjin, como os japoneses se chamavam, com os gaijin, ou os brasileiros. Gaijin é uma forma pejorativa de chamar, e a tradução correta é “bárbaro estrangeiro”. Os nossos bravos gaijins antoninenses haviam andado cerca de 10 quilômetros aquele dia. Daria pra andar mais, muito mais. No entanto, o tempo fechou.

Um forte aguaceiro caiu sobre a pequena cidade, o que levou os escoteiros a se abrigarem por ali. Já eram 16 horas, a chuva não abrandava. Procuraram o prefeito, que se desculpou por não os atender melhor, pois havia um só hotel na cidade e ele estava lotado. Ficaram pela rua mesmo, só se protegendo em algum lugar.

Chamou muita atenção dos rapazes o fato da cidade ser bilíngue, com cartazes e propagandas em português e japonês. Havia somente uma Igreja católica e diversas Igrejas budistas. Até o crime falava japonês. Pelo que eles ouviram, em Suzano, havia duas gangues japonesas, que disputavam o controle da cidade.

No entanto, a comunidade nipônica em Suzano e no Brasil iria passar por tempo difíceis. Desde 1938, com o golpe do Estado Novo, a ditadura varguista iniciou uma forte repressão à cultura japonesa. Proibiu as aulas em japonês e chegaram a confiscar bens de imigrantes.

Com a declaração formal de guerra aos países do Eixo, poucos meses depois da passagem dos escoteiros por ali, a repressão iria ser mais dura. Os nipo-brasileiros ficaram proibidos de viajar e mesmo de morar em determinadas áreas, como no litoral. Com isso, muitas das famílias nipo-brasileiras que haviam recebido tão bem os escoteiros em dezembro, em Antonina, teriam que desocupar aquelas áreas que habitavam.

Ali em Suzano, a vida seguia, apesar das agruras dos tempos de guerra. E chovia, chovia muito. De qualquer modo, apesar da chuva, os rapazes foram no cinema. O filme que eles viram, “O crime no terraço”, era o mesmo que estava passando em vários cinemas da capital. Os rapazes gostaram muito, pois havia bastante tempo que não viam um bom filme no cinema.

33 – DORMINDO NO ESTÁBULO

A belíssima Igreja de Nossa Senhora da Escada, em Guararema. Os escoteiros capelistas passaram aqui perto, acossados por fortes chuvas de verão.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 14 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de Suzano e passando por Guararema).

Às cinco horas da manhã, o guarda noturno do centro de Suzano acordou os cinco escoteiros. Este fora o combinado com Chefe Beto. Os cinco rapazes precisavam descontar o atraso do dia anterior. Aquele dia em Suzano amanheceu bonito, e eles, com muita energia.

Às 7 da manhã, eles já haviam passado por Santo Ângelo, e, às 10 horas, chegaram em Mogi das Cruzes. Outra cidade com uma grande colônia japonesa. Mas aqui o ritmo era outro. Os rapazes precisavam andar. Procuraram uma autoridade para carimbar o livro e continuaram o caminho. Pararam somente dois quilômetros adiante, numa pequena ponte. Aqui, almoçaram um pão cada, duas colheres de farinha de milho, um pedaço de linguiça e uma caneca de café. “Que baita almoção!”, ironizou Lydio em seu diário.

Depois de descansarem um pouquinho, os rapazes puseram se a marchar. Estavam agora passando pela Serra do Tapity, em direção a Guararema. Apesar de não ser uma serra muito íngreme, o caminho era castigado por um sol impiedoso. O caminho de mais de 9 quilômetros era lento. Mas, assim tinha que ser, como diz Lydio. Passaram pela encruzilhada que leva a Sabaúna e Luiz Carlos e tomaram o rumo de Guararema.

A partir de agora os rapazes estavam entrando no Vale do Paraíba. O vale se estendia ao longo do leito do rio Paraíba, como uma planície marcada por morros suaves. Era cercada a sudeste pela Serra do Mar e a Oeste pela Serra da Mantiqueira, compondo uma paisagem muito bonita. Com uma longa tradição na cultura do café, os fazendeiros do vale do Paraíba dominaram boa parte da política imperial brasileira, com toda sua violência e seu atraso.

Com a decadência da lavoura cafeeira na região do Vale do Paraíba, principalmente por causa do cansaço das terras, a cafeicultura mudou-se para o Oeste Paulista, onde despontava a cidade de Campinas. Depois de esgotar as terras onde estava, o “general café” continuou sua busca por novas terras intocadas, marchando ainda mais para oeste. Nos anos 1940, a cafeicultura estava já no norte do Paraná, onde despontavam as cidades de Londrina e Maringá.

Por seu lado, a economia do vale do Paraíba paulista neste período estava se recuperando. A produção de leite era o forte da produção, e a industrialização também era acentuada. Em lugar dos lamentos de Monteiro Lobato, o Vale se reerguia.

Correndo da chuva, Chefe Beto, Milton, Lydio, Canário e Manduca não passaram por Guararema, e foram direto para a localidade de Escada. Era uma pequena localidade que havia sido um aldeamento de indígenas no século XVII, e que agora estava praticamente abandonada. No entanto, A igreja de N.S. da Escada, recentemente restaurada, um é uma pequena joia do Barroco brasileiro. Mas nem deu tempo de chegar no pequeno vilarejo.

O tempo arruinou e um forte temporal desabou sobre a região. Ainda faltava dois quilômetros para Escada, e o jeito foi se abrigar num estábulo. Era uma estrebaria muito fétida segundo Lydio, mas que foi limpa rapidamente para que pudessem pernoitar por ali.

Era uma invernada de gado, e de manhã as vacas estavam todas na porta da estrebaria. Os rapazes ficaram assustados, mas felizes porque tinham lembrado de fechar a porteira. As vacas não saiam dali por nada. Somente com tições de fogo eles conseguiram rapidamente afugentar os animais e rapidamente abandonar aquele lugar.

A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 10ª PARTE — CAPÍTULOS 28 A 30

28 – NA PAULICEIA DESVAIRADA!

O bonde camarão no centro de São Paulo; os escoteiros andaram muito de bonde quando aqui estiveram, em janeiro de 1942.
Ao fundo os arranha céus do Banco do Estado e o Martinelli.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 09 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca), chegam ao quartel do 1º BC em São Paulo, primeira etapa da viagem.)

A Pauliceia é mesmo desvairada. Às 6 horas da manhã, o barulho ficou ensurdecedor para nossos rapazes. A cela da cadeia de Pinheiros estava insuportável por causa do barulho dos veículos que iam a vinham pela rua. Os rapazes acordaram cedo, tomaram um café ali mesmo, na cadeia, e saíram a desvendar São Paulo. Seu destino era o quartel da Polícia Militar, onde ficaram alojados.

Depois de subir toda a avenida Rebouças e entrar na Consolação, os rapazes sentiram-se completamente perdidos naquele mundaréu de prédios e ruas. Era mesmo um grande labirinto de prédios e pessoas. E resolveram pegar um taxi até o quartel. Acabaram por chegar no quartel do 1º batalhão de caçadores, que hoje se chama batalhão Tobias Aguiar, sede das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a tão temida ROTA.

Antes de haver um exército regular no Brasil, os governos estaduais eram responsáveis por uma unidade militar, que fazia o papel de polícia. Estas unidades, porém, também eram pequenos exércitos, e os governadores usaram as suas “Forças Públicas” em diversos conflitos internos. Desmanteladas no Estado Novo, estas corporações deram origem às atuais polícias militares. A ROTA, inclusive, esteve metida em diversos episódios lamentáveis da história moderna do Brasil. Um destes foi a Chacina do Carandiru, em 1994.

Entretanto, voltemos ao quartel do 1ºBC. Segundo Lydio, eles tiveram sorte, pois chegaram no quartel bem na hora do rango. Entraram na fila e, mortos de fome que estavam, acabaram repetindo o bandeco. A comida foi tanta, que eles tiveram que fazer uma siesta. Contando o milagre sem contar o nome do Santo, Lydio diz de um companheiro que neste dia dormiu até as três da tarde. Só podemos saber que não foi Lydio, nem Milton. Estes tinham um álibi. Nesta hora, Lydio e Milton foram conhecer os blindados que estavam ali no quartel, em exposição. Logo depois, quando os outros colegas acordaram das siestas, os rapazes resolveram ir passear no largo de São Bento. Para isso, pegaram um bonde camarão. Este era o nome dos antigos bondes de São Paulo, que existiram até os anos 60. O apelido era por causa da cor vermelha característica.

Do centro, os rapazes pegaram um bonde para a Barra Funda. Lá, estava o Instituto Nacional do Pinho, dirigido pelo amigo e conterrâneo Laudemiro Munn Vieira. A partir deste momento, Laudemiro foi o protetor e guia dos rapazes em terras paulistanas.

No Instituto Nacional do Pinho, eles encontraram outros antoninenses, como José Gonzaga Vieira, Luís e Antônio Veloso e Gabriel Dover. Ainda estava ali trabalhando o ex-colega escoteiro Aderque Vieira. Era quase um consulado de Antonina. Levados por Laudemiro, Lydio e Milton conheceram ainda a Serraria Paraná, ligada ao instituto Nacional do Pinho. Lá, trabalhavam também muitos paranaenses.

O Instituto Nacional do Pinho era um órgão que havia sido recém-criado pelo governo pra cuidar da produção e do reflorestamento do Pinho. Entre suas ações estavam o fomento à produção de madeira e de conservação das florestas. Pode-se entender que só predominou a primeira. As florestas de araucária que restaram foram depois incorporadas ao IBDF, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal.

Depois, de levar os rapazes para conhecer o Instituto Nacional do Pinho, Laudemiro os levou a jantar em sua casa, no bairro paulistano da Casa Verde. Lá, eles receberam ainda cartas enviadas pelos parentes e amigos, além de dinheiro enviado pelas famílias. Cada um recebeu entre 40 e 60 mil réis, o que foi uma alegria.

Depois do jantar, os dois voltaram de bonde até o centro. O passeio noturno foi um deslumbramento. Chamava especial atenção dos rapazes os anúncios luminosos em gás neon, que coloriam a fachada de vários edifícios. Lydio nos conta que, no alto do arranha céu do Martinelli, uma imensa girafa girava, fazendo luminosa propaganda da cerveja Caracu.

Nas ruas, os rapazes se deliciaram com o barulho do buzinar dos carros, o ranger da roda dos bondes e o apito dos guardas de trânsito. Em cima de pequenas caixas de madeira, eles tentavam controlar aquele aparente caos. O vozerio dos vendedores de loteria também chamou atenção dos rapazes. Com seu jeito bem humorado, as vozes dos vendedores competiam entre si. Um deles gritava: “Quem é felizardo nasceu em 1911! O seu dia chegará! Aproveitem que só tem um bilhete!”.

A quantidade de pessoas também impressionou muito os rapazes. Para espanto deles, na rua direita os carros não transitavam, só pedestres. Entretanto, a ferocidade do tráfego não obstante fazia inúmeras vítimas. Lydio anota que a avenida Brigadeiro Luiz Antônio era a campeã de acidentes. Os rapazes passaram ainda pela avenida São João, onde estavam as maiores lojas de calçados e tecido. A rua Libero Badaró era a rua elegante, cheia de cafés e bares, com muita gente entrando e saindo.

Estavam apreciando passear também no Viaduto do Chá, quando perceberam que já estava tarde. No quartel o toque de recolher era as dez. De volta ao quartel e cansados de tanto bater perna, os rapazes dormiram um sono só.

29 – A CARTA DE CHEFE MANECO

Ao fundo o edifício Martinelli, no centro de São Paulo. Este edifício, o primeiro arranha céu da America Latina, foi visitado pelos escoteiros antoninenses em janeiro de 1942.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 10 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão passeando por São Paulo quando recebem uma carta importante.)

O dia seguinte, um sábado, amanheceu garoando. Entretanto, às 9 da manhã a garoa, clima antes tão típico da capital paulista, se dissipou. Com o dinheiro recebido no dia anterior, os rapazes deixaram o quartel e foram às compras.

Milton e Chefe Beto compraram alpargatas roda e tênis de basquete para usarem na caminhada. Os velhos tênis que haviam trazido já estavam por demais gastos. Lydio comprou mais um cantil e meias pretas três quartos.

Depois de bater a boia no quartel, os rapazes fizeram uma pequena sesta e, mais dispostos, foram visitar o senhor Laudemiro Munn, na Casa Verde. De lá, senhor Laudemiro os levaria para conhecer a cidade. Em tal companhia, os escoteiros visitaram o terraço do Martinelli, e viram lá de cima a confusão e o mar de prédios do centro da capital. Segundo Lydio, era impressionante sob todos os pontos de vista.

A seguir estiveram em diversos pontos do centro da cidade, como o parque do Anhangabaú, o largo de São Bento, a Praça do Patriarca, entre outros. Na avenida São João, entraram num bar e fizeram um lanche. E se divertiram olhando as vitrines das lojas. A predileção dos rapazes era ver os manequins que estavam expostos.

À noite, os rapazes jantaram em casa de seu Laudemiro. Depois, tinham compromisso: visitas oficiais a diversas rádios da cidade. Neste dia, os rapazes visitaram a rádio Tupi, e as rádios Cruzeiro do Sul, Kosmos, Difusora e Bandeirantes. Os rapazes foram muito bem recebidos e contaram sobre sua aventura aos jornalistas.

No dia anterior, os rapazes haviam recebido uma carta do Chefe Maneco. Na carta, Seu Maneco anunciava que estava mandando uma pequena quantia para cada um deles. Mas tinha um outro assunto, mais espinhoso. Seu Maneco advertia Lydio para que não escrevesse mais para sua família relatando os problemas do grupo, como ele fizeram na carta que enviou de Itapetininga. “Escrevam para mim, que eu dou jeito daqui mesmo”, aconselhou chefe Maneco.

Mas não foram só problemas que tratava a carta. Chefe Maneco ainda procurou incentivá-los a continuar o Raid, pois tudo estava indo bem. “Não esmoreçam, pois faremos bonito perante as demais Associações da Federação [de escoteiros]”.

Também confortava a todos que ele estaria sempre ao lado deles, e advertia para que eles não encrencassem mais com Chefe Beto. “Todos vocês são bons escoteiros e confio que nada mais haverá”. Na margem da carta, escrita a lápis, um pedido: “Veja se apuram mais um pouco o Raid, não parem, quem aqui pede é o chefe e amigo. Veja se a 25 estão no Rio”.

Chefe Beto também recebeu uma carta de Seu Maneco. Lydio acha que ele não gostou, pois ficou carrancudo o resto do tempo.

30 – UM DIA NO MUSEU

O Museu do Ipiranga em 1940. Os escoteiros antoninenses estiveram aqui em sua viagem rumo ao Rio de Janeiro.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 11 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão passeando por São Paulo num belo domingo de sol e calor.)

No domingo, o quartel do 1º BC estava vazio. A soldadesca estava liberada até segunda feira. Com o quartel vazio, o que chamou a atenção dos rapazes neste dia fio uma imensa feira ambulante, operando na praça em frente ao quartel. Havia muitas barracas, que vendiam quase de tudo. A quantidade de gente e o alarido das pessoas lembrou aos rapazes a feira que se formava durante a festa de Nossa Senhora do Pilar, em Antonina.

Nesse dia foram à Casa Verde, para encontrar seu Laudemiro, este levou-os a um passeio que incluiu o Parque da Água Branca. Lá, os rapazes viram uma exposição com exemplares de animais bovinos, suínos e equinos. Mas, o que mais chamou a atenção foi a exposição de peixes que havia. Lá, encontrara peixes elétricos, peixes espada, piranhas, e o pirarucu amazônico. Também havia enguias, salmões, cavalos marinhos e um baleote. E, é claro, uma seção completa com diversos tipos de peixes ornamentais.

Além, disso, os rapazes encontraram ali no parque da Água Branca um grande Jardim Zoológico com animais silvestres, como zebras, alces, girafas, alces, lhamas e diversos tipos de cervos americanos. Entra as aves, os rapazes viram faisões e pavões, além de araras periquitos e canários de todas as espécies. Nem dá pra imaginar as brincadeiras que os colegas fizeram com Canário…

À tarde, seu Laudemiro os levou para visitar a estação da Luz e a estação Roosevelt, no Brás. Depois, eles foram para o Ipiranga, onde foram visitar o Museu. Os rapazes ficaram impressionados com a história pátria que ali viam. Também se impressionaram com o Monumento da Independência, que eles acharam lindo.

À noite, eles fizeram sua programação oficial. Participaram de um programa na rádio Kosmos de São Paulo. Lá, puderam ver diversos artistas que iam fazer suas apresentações ao vivo. Deve ter sido muito emocionante para os rapazes ver um espetáculo daquele sendo produzido ali, no calor da hora. Mas não foi só isso. Eles acabaram esticando a noite visitando diversos jornais paulistanos, como a Gazeta, o Correio Paulistano, o Diário da Noite, O Jornal e o Diário da Noite. Em cada redação, eles explicavam o que estavam fazendo e contavam algumas de suas aventuras. Lydio conta que, já traquejados de dar entrevistas, isto não lhes dava mais nenhum embaraço.

Com tantos compromissos, acabaram chegando tarde no quartel. Mas era domingo e o sentinela foi muito camarada. Como diz Lydio, “deu uma mãozinha”. Dali a pouco, os cinco estavam dormindo o sono dos justos.

A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 9ª PARTE — CAPÍTULOS 25 A 27

Aos nossos queridos leitores, eu queria dividir um pensamento.

Qual o tamanho do heroísmo desses jovens? Numa época de comunicação escassa, eles sacrificaram Festas Natalinas, Reveillon e Reis em busca de uma árdua missão para salvar uma cidade!

E qual a importância do que os escoteiros significavam? Hoje em dia, uma manifestação desse tipo seria feita por políticos ansiosos para aparecer diante de um Presidente de República conhecido pelo seu populismo. Verdade que Getúlio Vargas tinha grande simpatia por movimentos jovens organizados como os Balillas e a Juventude Hitlerista, mas o Escotismo não era o foco das suas maiores atenções, uma vez que ele não convertera o Movimento Escoteiro ao seu programa de governo.

Tudo leva a crer que o protagonismo juvenil era bastante respeitado na época. E fica a questão: continuamos assim? O Escotismo está formado por jovens protagonistas, como deveria ser, ou por instrumentos de adultos protagonistas, longe da filosofia da B-P?

No texto que se segue, veremos que havia autoridade constituída que não nutria respeito pelos jovens enquanto outra os tratou condignamente. E agora, como seriam os relacionamentos dos representantes dos poderes públicos com nossos rapazes e moças?

E penso também no tamanho da decepção que eles devem ter passado com a indiferença sofrida pelos próprios companheiros do Movimento. E, mesmo assim, como afirmo, heroicamente, seguiram em frente!

Depois dessa manifestação de meus pensamentos, continuemos com a saga. Boa leitura e que 2024 seja um ano que os jovens mostrem para que eles vieram!

Sempre Alerta para Servir,

Ricardo Coelho dos Santos

Escriba da Patrulha Jaguatirica

Ocupante da Cadeira nº 6 — Patrono André Pereira Leite

25 – CAMINHANDO NO DIA DE SANTOS REIS

Quadrinha do dia de Reis, publicado no Correio Paulistano no dia em que os escoteiros chegavam à cidade de São Roque, em sua marcha rumo ao Rio de Janeiro.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 6 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão chegando em São Roque. Falta pouco para chegar em Sampa!).

Era o dia de Santos Reis, 6 de janeiro de 1942.

Neste dia os jornais noticiavam os combates no Pacífico. As frotas Americana e Japonesa travavam um combate nos ares, e havia possibilidade de enfrentamento nos próximos dias. As áreas mais prováveis de combates seriam a Nova Guiné, onde os americanos ameaçavam a cidade de Rabaul e o estreito de Sonda. Enquanto isso, os ingleses enfrentavam pesado bombardeio japonês na Birmânia.

Fazia 1 mês do ataque na Marinha Japonesa à base americana de Pearl Harbour. Neste interim, ocorriam intensos debates entre os países latino-americanos em relação ao alinhamento pró-Estados unidos e contra as potências do Eixo. Dali a poucos dias a III Conferência Pan-Americana, no Rio de Janeiro deveria dar um tom unificado dos países americanos em relação à agressão japonesa contra os Estados Unidos.

A partir da localidade de Brigadeiro Tobias, onde tinham arranchado na noite anterior, os rapazes acordaram cedo e seguiram sua marcha. Quando se levantaram, o sol nem tinha surgido no horizonte ainda. Quando finalmente surgiu, os rapazes já tinham caminhado cerca de 9 quilômetros.

Ao meio dia, pararam num gramado a beira da estrada para o almoço. Ainda com o farnel do 7º BC, os rapazes tiveram como almoço um verdadeiro banquete: peixes secos e salgados, uma caneca de café preparado pelo já refeito Manduca, e quatro colheres de farinha de milho para cada um. Como complemento, uma pequena broinha do tamanho de uma caixa de fósforos. A ideia era racionar e aproveitar para desenvolver a caminhada.

Nesta parada, os rapazes ainda discutiram seus planos. Até aqui, já tinham caminhado cerca de 400 quilômetros em 21 dias. Entretanto, destes 21, somente 18 foram de caminhada. Nos dias restantes, eles ficaram descansando para se recuperarem. E concluíram que não estavam nada mal no planejamento.

No entanto, caminhar era muito difícil. Uma sensação de desânimo e enjoo tomava conta dos rapazes algumas vezes. Caminhavam no limite das forças. Em geral andavam em passo regular 4 quilômetros por hora. Quando aceleravam o passo, chegavam a caminhar 5 quilômetros/hora. Quando resolviam correr pra afastar o desânimo, a canseira resultante acabava por derrubar a todos.

À tardinha passaram pela localidade de Pantoja, e anoitecia quando cruzaram por Mairinque. Apressaram o passo, mas chegaram e São Roque tarde da noite. Lá, como sempre faziam, procuraram o delegado de Polícia.

Segundo Lydio, não foi difícil encontrá-lo. Quando o encontraram, quase se arrependeram: como o homem era sistemático! Examinou folha por folha o livro de visitas, e averiguou uma por uma as carteiras escoteiras que os meninos portavam. Só depois desse exame é que o delegado colocou seu carimbo e assinou em cima. Uma vez alojados na delegacia, os meninos foram passear.

Lydio achou uma beleza o footing dos rapazes e moças de São Roque. Segundo ele, as moças andavam da direita para a esquerda na rua, e o moços da esquerda para a direita. Quando um casal se formava (hoje se diz dar match) é que eles iam para o banco da praça a namorar. E lá ficavam até às 10 horas, quando todos tinham que se recolher.

Lydio achou bacana o footing em São Roque. Porque em Antonina, como ele conhecia, o footing era tudo embolado, rapazes e moças. E só em frente ao cinema do Vico é que tinha footing.

26 – ESPANCAMENTO NA DELEGACIA

O pernoite na delegacia de São Roque foi terrível para os rapazes.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 7 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de São Roque e chegando em Cotia).

A noite em São Roque foi terrível para os meninos. A primeira coisa era o frio. A cidade de São Roque está no alto de uma serra, com uma altitude de quase 800 m. Com isso, as temperaturas no verão são mais suaves. Acostumados com o calor escaldante do planalto, os rapazes agora estranhavam o friozinho da serra.

A outra coisa era mais complicada. A delegacia de São Roque estava cheia. O carcereiro era um cara muito estúpido, que passou um tempão na madrugada espancando um dos presos. Os demais presos aproveitavam para reclamar, pois além disso não recebiam nem água nem comida adequadas. Juntando isso com os gritos de dor do preso supliciado, não tinha como dormir.

Lydio foi pedir explicações para toda a cena que presenciavam. O soldado, com cara de poucos amigos, mandou ele se calar. Era um espetáculo terrível.

Sendo assim, às 5 da manhã, os rapazes já tinham levantado e tomado café num bar próximo da delegacia. Logo depois, pegaram suas coisas e seguiram viagem.

O sol finalmente surgiu, e estava um dia bonito, sem nenhuma nuvem, e o sol ia rachando os miolos deles.

Lá pelas nove e meia da manhã, eles cruzaram Mailasqui. Tratava-se de um lugarejo, afastado 300 m da estrada principal, onde havia uma estação ferroviária da Sorocabana. As 11:15 h pararam na beira da estrada para merendar. Almoço não teria, porque estavam já com falta de alimentos para fazer.

A seguir, caminharam o trecho mais bonito da estrada federal, segundo Lydio. A região em que entravam, no município de Cotia, era grande produtora de tomate, milho, cebola e ovos.

Desta vez não teve lei escoteira que segurasse os rapazes: vendo aqueles parreirais bonitos, cheios de uvas, além de peras, os rapazes acabaram se abastecendo e salvaram o dia de caminhada.

Neste dia Lydio estava com o pé encarangado. O pé estava todo inchado. Segundo seu relato estava difícil encostar o pé no chão que tinha dores horríveis. Acompanhou os colegas com um esforço muito grande e deu graças a Deus quando chegaram em Cotia, às 18 horas.

O prefeito de Cotia, segundo Lydio, era uma figura. Alojou os rapazes em sua própria residência. Como era solteirão, ficou com os rapazes ouvindo rádio e conversando até a hora de dormir.

27 – ENFIM, SÃO PAULO!!

O Largo dos Pinheiros, em São Paulo. Aqui os escoteiros chegaram em 8 de janeiro de 1942.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 08 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão chegando em São Paulo, 1ª etapa da viagem).

Em Cotia, na casa do prefeito, Lydio havia feito um tratamento com gelo. Somado ao repouso que teve, foi o suficiente para que ele se recuperasse. Agora faltava pouco para que chegassem em São Paulo, terminando a segunda parte da jornada.

O prefeito de Cotia foi muito legal com os rapazes, e eles ficaram bem impressionados com sua recepção. Lydio conta que eles partiram de Cotia com saudades da noite boa que tiveram.

Os rapazes estavam indo pela estrada, quando um caminhão parou bruscamente no acostamento. A princípio, meio desconfiados, os rapazes ficaram felizes quando o caminhoneiro que desceu feliz do caminhão começou a perguntar a eles sobre a viagem, e como eles estavam indo. Era o João Martins, mais conhecido como Fumaça, conhecido de chefe Beto. Estava conduzindo uma mudança de Minas para o Paraná ou para o Rio Grande (Lydio não soube dizer), quando viu os rapazes na beira da estrada.

Os rapazes continuaram, e fizeram uma rápida refeição e continuamos a caminhar. A estrada seguia cada vez mais movimentada à medida em que se aproximavam de São Paulo. Às 15:30 horas, começaram a entrar na cidade, encerrando a segunda etapa do Raide.

Desta forma, os escoteiros passaram pelo instituto Butantã, onde está localizado o maior serpentário da América do Sul. Seguiram logo depois pela Eusébio Matoso. Acabaram por parar na delegacia de Pinheiros, onde pediram pernoite.

Já era de noite, e procuraram a Associação de Escoteiros, mas não conseguiram nada. Lydio comenta que só mais tarde souberam que diversas tropas escoteiras paulistanas estavam na cidade e não tiveram o interesse em receber os meninos.

Eles procuraram o Instituto Nacional do Pinho, onde sabiam que teriam contato, mas não tiveram nenhum durante a noite. Com isso, trataram de fazer um lanche nas imediações da delegacia e dormiram mais uma vez numa cela, oferecida pelo carcereiro de plantão. Apesar de ser uma cela, nos diz Lydio, tinha beliche para todos e era bem limpinha. Menos mal.

A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 8ª PARTE — CAPÍTULOS 22 A 24

22 – DORMINDO NA DELEGACIA

Primeira Página do Correio Paulistano de 3 de janeiro de 1942.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 3 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão no rumo de São Paulo. No final do dia eles chegam em Araçoiaba. O que o destino vai aprontar?)

Na manhã seguinte, um sábado, 3 de janeiro de 1942, os escoteiros foram acordados pelo barulho que os caminhões e automóveis faziam ao passar pela casa abandonada onde estavam alojados.

Nesse dia, não havia nada o que comer. A solução foi caminharem em jejum até o próximo lugar que estivesse aberto. Com fome, as reclamações apareceram mais nítidas. Os meninos reclamaram muito com o chefe Beto, a quem acusavam de negligência. Como ele não havia previsto aquela parada abrupta no meio do nada, sem se prevenir e comparar comida?

Enquanto caminhavam rápidos em busca do que comer, os rapazes rapidamente deixaram pra trás o andarilho que lhes fizera companhia na noite anterior. O pobre homem, que também ia pra São Paulo, não conseguiu acompanhar o ritmo mais rápido dos escoteiros, embora estes carregassem em geral bastante peso.

Eram quase dez horas da manhã quando chegaram em Capela do Alto, uma pequena localidade a beira da pista. Lá, encontraram algo para comer. Depois de saciados, tudo pareceu mais fácil. Agora a caminhada se fazia por colinas suaves, que cortavam diversas plantações de abacaxis e ananases. Neste passo, às 17 horas, chegaram na cidade de Campo Largo de Sorocaba, hoje Araçoiaba da Serra.

Ali, não havia hotéis ou pensões. O jeito foi pedir alojamento na delegacia de polícia. A delegacia de polícia de Araçoiaba era muito limpinha, segundo Lídio. Uma família amiga (seriam conhecidos de Antonina?) providenciou uma farta janta para os rapazes.

Novamente descansados e de estômago cheio, os bravos rapazes saíram pela cidade no sábado à noite, em missão de reconhecimento. Entraram num bar, onde uma radiola estava tocando músicas animadas. Ali se informaram um pouco mais sobre a cidade.

Araçoiaba possuía nesta época 2 mil habitantes, e tinha uma praça muita bonita e iluminada, em frente à matriz. Ao lado da igreja estava o cinema, um grupo escolar e um clube social.

Ao voltar à delegacia, encontraram o Chefe Beto conversando animadamente com o delegado. O delegado, chamado por todos de Gaúcho, era um 2º tenente da força pública estadual. Já um tanto idoso, segundo o parecer de Lídio, era também muito atencioso e conversador.

Lídio ficou curioso, entretanto, com os cartazes de procurados pregados nas paredes da delegacia. Nunca havia visto esse tipo de cartaz, a não ser nos filmes.

O que mais o espantou foram os nomes dos crimes atribuídos a cada um. Anotou: escruncho, punguista, escroque, rufião, estuprador. A maioria, entretanto, eram os assassinos.

Para alívio de Lídio e dos demais rapazes, a delegacia neste dia estava vazia.

23 – MANDUCA BAIXA AO HOSPITAL

A cidade de Araçoiaba da Serra, a Antiga Campo Largo de Sorocaba. Ao fundo, o belo Moro do Araçoiaba.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 4 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de Araçoiaba e chegando em Sorocaba. Manduca, doente, tem que ir ao hospital!).

Os rapazes partiram cedo de Araçoiaba. Faltavam só 140 quilômetros até São Paulo, o que ainda demandaria quatro dias de marcha. Lá pelas dez da manhã o sol ia impondo o ritmo da caminhada. A água que eles tinham era muito salobra, e não matava a sede. A caminhada era penosa, feita sob o sol quente.

O que os ajudou neste caminho foram as laranjas. Como conta Lydio, Araçoiaba, antigamente conhecida por Campo Largo de Sorocaba, tinha extensas plantações de laranja. Segundo nos conta, estas laranjas eram consideradas as mais doces do mundo, sendo exportadas para o exterior.

No entanto, o laranjal também tinha problemas éticos a oferecer. Segundo Lydio, o 9º artigo da lei do escoteiro diz que “o escoteiro é econômico e respeita o bem alheio”. Quando acabavam as laranjas que eles haviam levado, e não querendo se apropriar indevidamente do produto, os meninos ficavam mesmo com sede sob o sol escaldante, olhando, com água na boca, as laranjas madurinhas nas laranjeiras bem na frente deles.

À esquerda da estrada que os meninos seguiam estava o famoso morro do Araçoiaba. Destacando-se na planície, o morro era um dos marcos mais importantes do planalto de Sorocaba. É formado por rochas ígneas alcalinas que perfuraram os sedimentos paleozoicos havia uns 60 milhões de anos.

O morro não se destacava somente pelo relevo. Continha importantes jazidas de ferro, que haviam sido mineradas desde o período colonial. Ali estão as famosas “lavras dos Sardinha”, o primeiro registros de fundição do ferro no Brasil. E, também, a grandiosa Fábrica de Ferro de Ipanema, que havia funcionado, com alguns períodos de interrupção, de 1817 até o final do século XIX, tendo fabricado boa parte do ferro consumido no Brasil e estimulado o desenvolvimento da agricultura e da indústria paulista. No entanto, apesar disso, e apesar de tê-lo visto imponente, Lydio não deve ter notado o morro do Araçoiaba, pois não faz nenhuma menção a ele em seu diário.

Às 11 horas da manhã daquele domingo, 4 de janeiro de 1942, os meninos comeram um “qualquer-coisa” numa venda de beira de estrada — uma rápida refeição e um cafezinho temperado com açúcar — os meninos finalmente chegavam em Sorocaba. Às 16 horas, estavam entrando na área urbana da cidade.

Lydio anota que Sorocaba, fundada em 1654 pelo Capitão Baltazar Fernandes, era conhecida como a “Manchester Paulista”, em razão de suas inúmeras fabricas. Tinha, na época, uma população de 120 mil habitantes. Rica cidade industrial, Lydio anota que Sorocaba possui “diversas escolas de ensino superior, duas emissoras de rádio e muitos estabelecimentos bancários”.

Os meninos procuraram alojamento no 7º Batalhão de Caçadores da Força Pública de São Paulo. Lydio considerou o quartel uma maravilha de engenharia militar. Situado numa colina, o quartel dominava toda a cidade. Foram recebidos por um oficial subalterno e conduzidos ao comandante da corporação.

A assistência que recebera no 7º BC foi, para Lydio, “sem igual”. Massacrados pelo sol, os meninos foram imediatamente tomar um banho para se refrescar. Foi quando aconteceu o acidente: antes de entrar no chuveiro, Manduca sentiu-se mal e caiu duro no piso do banheiro. Com o pescoço todo retesado, parecia que estava morto.

Assustados, os meninos procuraram a assistência do quartel. Na enfermaria, constatou-se que o pobre Manduca estava com estafa, subnutrição e diarreia. Foi imediatamente conduzindo para tomar injeção e soro. Nisso, todos os meninos acabaram por fazer exame médico geral. Apesar de cansados, todos estavam bem e foram aprovados no exame médico. Mas Manduca ainda ficaria internado por mais um tempo, para se recuperar.

Finalmente, os meninos tomaram banho e foram jantar. Tiveram direito até a gasosas, e a uma comida reforçada. Comeram muito. Precisavam repor as energias gastas com aquelas caminhadas ao sol quente. Depois, foram passear pela cidade. Andaram por algumas ruas e foram ver uma retreta na praça, também fizeram uma visita à PRD 7 rádio difusora de Sorocaba.

Mas era esforço demais. Os meninos voltaram mais cedo para o quartel e foram dormir, ainda preocupados com a situação de saúde de Manduca.

24 – “SÃO COISAS DA VIDA, COMPANHEIROS!”

Sorocaba, a Manchester Brasileira, em foto de 1940, quando os escoteiros antoninenses passaram por lá.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 5 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão em Sorocaba, onde Manduca teve que baixar ao hospital.)

No dia seguinte, os meninos acordaram cedo no quartel do 7º BC de Sorocaba.

Depois das formalidades militares, tomaram rapidamente o café e foram visitar Manduca na enfermaria. Os rapazes queriam sobretudo, ter mais informações das condições físicas de Manduca. Principalmente, para sabe se ele aguentaria seguir viagem.

Os enfermeiros logo adiantaram que tudo estava bem. Segundo a prescrição médica, sua alta seria realizada somente às 13 horas. Mas Manduca já estava melhor e sorria a todo instante. Quando estes brincaram com ele sobre o susto que havia pregado, Manduca só dizia: “são coisas da vida, companheiros!”.

Enquanto esperavam a alta de Manduca, os rapazes puderam andar pelo quartel e visitar as diferentes alas. Primeiro, cortaram os cabelos, que, segundo Lídio, estavam por cima das orelhas. Visitaram as demais instalações médicas do quartel como os gabinetes dentários, o pronto socorro, as salas de operação, as salas de curativos, etc.

Os rapazes assistiram também os recrutas recém-chegados fazendo exercícios de ordem unida. Lídio anotou que os cabos e sargentos que davam os exercícios eram bastante durões com os recrutas.

Depois, foram ver os pombos correios que eram criados nos quarteis. Viram, com espanto, serem alimentados pelo soldado encarregado da seção de columbofilia, ou seja, de cuidar dos pombos. Andaram pelas baias do quartel, admirando os animais puro-sangue que eram ali criados. Estes eram os cavalos que os soldados utilizavam nos serviços de patrulhamento dos locais mais distantes.

Quando passaram pela seção de música, onde ensaiava a banda do quartel, os meninos foram especialmente homenageados com uma audição de um trecho de “O Guarani”.

No entanto, o que mais chamou a atenção dos meninos foram as armas. Em primeiro lugar, assistiram a uma aula de montagem e desmontagem de um fuzil metralhadora e de uma metralhadora de tripé. Eram armas recém-chegadas ao quartel e atraíam grande curiosidade.

Depois, foram conduzidos ao Cassino dos Oficiais para o almoço. Ali, cada um dos rapazes ficou numa mesa junto com um oficial. Segundo Lídio, o papo foi muito bom.

No início da tarde, um restabelecido Manduca veio se juntar a eles. O 1º sargento Zacarias Berlok era o encarregado do rancho do quartel, e mandou encher as marmitas para que tivessem com que comer mais tarde. Às 13:30 horas, os meninos deixaram o quartel e começaram a andar. De início, cortaram a cidade de Sorocaba de sul a norte. Depois, de boa caminhada, chegaram na vila de Brigadeiro Tobias, onde arrancharam para dormir.

A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 7ª PARTE — CAPÍTULOS 19 A 21

19 – ANO-NOVO EM ITAPETININGA!

O quartel do 5º BC, em Itapetininga, onde os rapazes ficaram alojados no Ano-Novo de 1942.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 31 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão chegando em Itapetininga, onde passariam a virada do ano.)

Às 6:00 da manhã os meninos partiram de Gramadinho, com destino a Itapetininga. Agora, a estrada era mais plana, com uma paisagem marcada por morros suaves.

Era tão plano que as maiores elevações eram as árvores e capões de mato, circundadas por casas de fazenda. A estrada seguia cercada de grandes pés de eucalipto, que tornavam a paisagem mais tranquila e fácil de percorrer. Ao redor, sucediam-se grandes plantações a fazendas de gado.

Os rapazes também estavam mais acostumados com a caminhada, que se fazia sem maiores esforços. Já não sentiam tanto esgotamento físico. Somente no fim do dia batia um certo cansaço. E foi lá pelas 16 horas que eles chegaram em Itapetininga.

Itapetininga era sede do 5º Batalhão de Caçadores, o 5º BC, onde os meninos procuraram alojamento. Milton e Lídio já conheciam o quartel do 5º BC, em janeiro de 1940, vindo de um encontro escoteiro em São Paulo, os dois ali estiveram, pois havia a ideia de um grupo escoteiro na cidade, que acabou não vingando.

No quartel, foram recebidos pelo comandante, o tenente-coronel Orlando Werney Campello, que os tratou muito bem. O Tenente-coronel contou-lhes que na mocidade também tinha sido escoteiro, o que os deixou bem felizes. E os alojou numa das companhias do batalhão, onde deixaram as tralhas e entraram na fila do rango.

Depois do rango, os rapazes foram procurar o prefeito da cidade, para que assinasse o livro de passagem. No entanto, o que chamou atenção dos rapazes foi uma festa religiosa. Era a festa de Nossa Senhora Aparecida do Sul, padroeira da cidade.

Segundo Lídio nos conta em seu diário, era uma festa muito grande. Não faltaram romeiros, animados por cinco bandas de música e muitas barracas de comida. Na hora da festa, a igreja matriz foi iluminada por centenas de lâmpadas elétricas, que impressionou bastante os rapazes.

Lá pelas onze da noite, os rapazes voltaram ao quartel, para esperar a chegada do ano novo. Deitados nas camas, os cinco rapazes escutaram a grande festa de fogos e de repique de sinos e apito das fábricas saudando o ano de 1942 que se iniciava.

No entanto, naquele momento, segundo anotou Lídio em seu diário, todos os cinco estavam quietos, deitados em suas camas de quartel e pensando nos seus familiares lá, na cada vez mais distante Antonina.

20 – CANÁRIO, O “CRACK” DA PELOTA!

O Furacão original, o grande time do Atlético-PR nos anos 1940: Canário tinha vaga neste time?

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 1 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão descansando em Itapetininga, para seguir viagem rumo de São Paulo.)

O corneteiro tocou a alvorada no quartel do 5º BC em Itapetininga, pontualmente às 6 horas da manhã.

Os escoteiros acordaram ainda tontos de sono, e foram para o banheiro, lavar-se para o café. Junto com os soldados do batalhão, os meninos participaram das solenidades todas do dia. Entre estas estava a formatura da tropa e o hasteamento da bandeira, tudo isso ao som do Hino Nacional.

Em seguida, acompanhados por duas bandas, os escoteiros desfilaram pelas ruas da cidade ao redor do quartel. Depois disso, dia livre!

Lídio aproveitou a folga para escrever uma carta para sua mãe. Nessa carta, reclamava dos abusos que o chefe Beto vinha praticando contra todos os meninos. Na carta, Lídio conta que Beto centralizava o dinheiro e não dava um tostão aos rapazes.

Lídio pedia que a mãe fosse em casa de seu Manequinho para contar os desmandos do chefe. Ele nos conta que terminou de escrever a carta com os olhos cheios de lagrimas. Lembra também que todas as vezes que fora reclamar com o chefe Beto, este logo lhe dizia que não tinha nada a explicar. Afinal, ele era o chefe e os outros deveriam obedecer a hierarquia.

Depois de postar a carta, Lídio saiu a passear pela cidade. Foram também, é claro, ver o local onde estava acontecendo a festa de Nossa Senhora Aparecida. Lá, acabaram por assistir a missa campal celebrada ao fim da manhã.

Quando no quartel deu o toque de corneta anunciando a hora do rancho, os rapazes estavam todos de volta para aproveitar o almoço especial de ano-novo. Neste dia, para alegria dos rapazes, havia refrigerante e sobremesa.

Durante a tarde, no quartel, os escoteiros escutaram um pouco de rádio, para se informar do que acontecia na guerra. Também ouviram as notícias nacionais, como nos conta Lídio.

Ao fim da tarde, já que estavam de descanso, os escoteiros combinaram com alguns rapazes da cidade uma partida de futebol, num campo de futebol suíço das proximidades. Lídio conta que a equipe foi reforçada com dois soldados do 5º BC de Itapetininga. A estrela do match, no entanto, foi Canário. Ao final, puderam se vangloriar de um placar de 10 a 4 a seu favor, mais o show de Canário.

Depois da janta, foram passear pela cidade. Lídio e Manduca foram conhecer a rádio Emissora de Itapetininga, onde foram entrevistados e deram uma cordial saudação ao povo de Itapetininga, que tão bem os estava recebendo.

Participaram também da procissão de Nossa Senhora Aparecida. Lídio nos conta em seu diário que fora uma das mais bonitas que ele havia visto.

Quando se fez o toque de silêncio, todos estavam de papo pro ar. Todos, menos Manduca, que estava uma fera. Aquele dia, as brincadeiras estavam um pouco além da conta. Em geral, quem dormia primeiro tinha os travesseiros ou a coberta roubada pelos colegas, e acordava morrendo de frio. Outra brincadeira era amarrar os pés com um lenço só pra ver o tombo do infeliz ao levantar-se pela manhã.

Mas a predileta de todos — menos, é claro, das vítimas — era o famoso “mosquitinho”. Queimava-se um palito de fósforo e deixava-se na brasa. Depois, era colocado entre os dedos dos pés, da vítima adormecida. Quando a brasa chegava até a pele, em geral, a pessoa acordava subitamente com a dor. Segundo Lídio, “era o maior sarro do mundo”.

21 – O ATAQUE DOS CACHORROS DO MATO

A Igreja da irmandade de N.S. do Rosário, em Itapetininga, onde os escoteiros antoninenses passaram o Ano Novo de 1942.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 2 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de Itapetininga, com destino a São Paulo.)

Os rapazes tinham que seguir viagem. Quando deu o toque de alvorada no 5º BC de Itapetininga, eles já estavam de pé com as tralhas todas para seguir viagem. O destino agora era São Paulo.

No entanto, naquela bela manhã de janeiro, estava faltando água no quartel. Não havia água na caixa geral. Somente uma torneira funcionava, mas ela estava reservada aos oficiais. Lídio, no entanto, estava determinado a lavar o rosto. Quando estava assim determinado, não conhecia limites.

Foi procurar a tal torneira. Uma caixa d’água de latão ficava numa pequena torre, e a torneira ficava próxima de um pé de cedro. Um cabo ficava ali, não deixando que os soldados se aproximassem.

Lídio chegou por trás, sem que o cabo o visse e percebeu que a caixa estava cheia d´água. Nesse momento, um oficial chamou o cabo que tomava conta da torneira. Era para entregar um pacote para o outro oficial, que estava na casa de comando. Lídio aproveitou para encher o cantil. E o fez rapidamente. O cabo já vinha voltando quando ele encheu o cantil de água. O cabo, desconfiado, perguntou o que ele estava fazendo. Lídio se fez de besta, e perguntou se ele podia encher o cantil ali na torneira. O cabo disse que não e o enxotou dali. Lídio se apressou em sair de perto, saboreando a vitória. E foi dividir o cantil com os outros rapazes, que puderam tomar café com o rosto lavado e a boca escovada.

Assim limpos, os rapazes saborearam com mais gosto o reforçado café servido pelo quartel. Segundo Lídio, o café era café com leite e pão com queijo e goiabada.

Delícia pura!

Depois, despediram-se dos oficiais ali presentes, bem como dos soldados, cabos e sargentos, que tão bem os haviam acolhido nestes últimos dois dias. E seguiram viagem.

Estavam tão descansados que caminharam muito bem toda a manhã. Ao meio dia, estavam já chegando em Alambari, um pequeno distrito de Itapetininga. Ali, almoçaram um sanduíche de pão com ovos e café oferecido na casa de um ferreiro do lugar. Quando deixaram pra trás Alambari é que sentiram o calor que estava fazendo.

Os termômetros marcavam 40ºC à sombra. Depois de caminhar naquele sol infernal por uns 13 quilômetros, acabaram por se abrigar num rancho coberto de sapé na beira da estreada. O relógio de Lídio marcava neste momento 18:20 horas.

No entanto, ali não havia água. Milton e Manduca foram procurar nas proximidades.

Quando anoitecia um velho andarilho que ia para São Paulo também parou no rancho. Pediu proteção e agasalho para passar a noite.

Lídio já tinha ido dormir, de tão cansado estava. O andarilho recomendou que tivessem muito cuidado e mantivéssemos o fogo alto porque nesta área existiam muitos cachorros do mato ferozes. E não foi conversa fiada do andarilho.

Efetivamente os cachorros do mato vieram espreitar a casa. Com o fogo aceso, limitaram-se a vigiar de longe. O fogo, evidentemente, foi mantido por toda a noite.

A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 6ª PARTE — CAPÍTULOS 16 A 18

16 – AS HISTÓRIAS DO DELEGADO

Uma rua de Guapiara (SP) em 1940, um ano antes dos
escoteiros passarem por ali em sua marcha.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 28 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão chegando em Guapiara, onde passaram um susto com o delegado da cidade).

Na manhã de domingo, 28 de dezembro de 1941, os jovens escoteiros foram acordados com um cheiro bom de café. E também com o cheiro bom de uma panela de feijão preto sendo cozido no fogãozinho rústico de Manduca, o cozinheiro da missão.

O arroz já estava praticamente pronto. Com uma mãozinha do inspetor de quarteirão de Banhado Grande, que lhes forneceu alguns mantimentos, eles iam dar uma melhorada no farnel.

Logo que puderam, despediram-se do Inspetor, arrumaram as tralhas e se puseram na estrada. Tinham 41 quilômetros a percorrer, em direção a Guapiara.

Caminharam muito.

Às 12:00 pararam para comer o feijãozinho com arroz, e logo após atravessavam o lugarejo de Fazendinha. Ao final do dia chegaram a Guapiara. Entrando na cidade foram logo procurar o prefeito ou o delegado. O delegado, assim que os viu, não deu muita bola para os rapazes.

Estes insistiram, e o Chefe Beto contou a história da missão deles. Mostrou também ao velho delegado as carteirinhas de escoteiro e o livro oficial das assinaturas que traziam consigo. Por fim, o delegado chegou a se comover, e abraçou os rapazes afetuosamente.

Acolheu os meninos em sua própria residência. Estes deixaram lá suas tralhas e foram tomar banho no rio pequeno, que atravessa a cidade. Depois, repararam nas ruas limpas e bem cuidadas de Guapiara. Os rapazes se impressionaram com as casas bem pintadas e as praças limpas e ajardinadas. As escolas eram novas, as igrejas bonitas. Tudo era muito limpo e bem cuidado em Guapiara.

O delegado ofereceu uma janta aos rapazes, onde contou algumas coisas sobre a cidade. Falou sobretudo da gente limpa e ordeira que ali vivia. Não tinha motivos de reclamação. No entanto, a cidade tinha ainda muitos problemas, como uma precária ligação de energia elétrica e total ausência de esgotos.

A cidade vivia sobretudo da mineração, segundo lhes contou o delegado. Guapiara é uma palavra indígena que significa lavra, buraco no chão para lavrar ouro e outros metais. Havia mais de duzentos anos ali se extraia ouro. Além da mineração, a cidade também tinha uma pecuária de suínos bastante forte. Isso supria os solos da região, que eram muito fracos para a agricultura.

De estômago cheio e cheios das histórias do delegado, os rapazes foram dormir.

17 – EM CASA DE CHEFE MIMI!

A bonita cidade de Capão Bonito em 1941, vista do alto.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 29 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão, depois de longa caminhada, chegando em Capão Bonito. O que vai acontecer?)

Lídio era o mais dorminhoco de todos. Sempre ia dormir cedo e acordava tarde.

Sempre que se atrasava, o paciente Milton tentava acordá-lo. Às vezes por bem, às vezes com alguns beliscões, Milton sempre punha Lídio em pé.

Aquele dia tinham um objetivo mais fácil: Capão Bonito, distante 35 Km de Guapiara. Agora o relevo havia mudado, e os morros pequenos e íngremes do planalto de Apiaí foram ficando cada vez maiores e menos íngremes. A caminhada estava ficando mais fácil, embora o calor fosse intenso.

Entretanto, houve um imprevisto: chefe Beto havia deixado seu revólver com o Delegado para cuidar durante a noite. E tinha esquecido de pegá-lo. Maçada!

Sobrou para o subordinado: Lídio foi a contragosto de volta a Guapiara para pegar a arma.

Com muita raiva, mas seguindo ordens superiores, Lídio se pôs em marcha, de volta a Guapiara. No caminho, no entanto, a raiva foi se abrandando e ele foi se distraindo com o que via. Por todo o caminho, via os colonos se preparando para plantar, colocando os arados manuais puxados ora por bois ora por burros para revolver a terra. Assim se sucediam plantações de feijão milho e batata inglesa.

Aqui e ali, algumas plantações de café.

No entanto, Lídio nos conta que a exploração mineral era quem movia a economia da região, com 9 minas em funcionamento. Em seu diário Lídio cita uma mina de ouro e outra de cobre em Apiaí, uma mina de ouro e outra de prata em Gramadinho. Em Guapiara, uma de ferro e outra de cobre. E entre Guapiara e Capão Bonito mais três: uma de “Carvão de ferro”, a mina da Cobrazil, que produzia cobre e era a mais famosa de todas, e uma mina de cálcio, que eles acabaram visitando.

Nesta mina, foram recebidos pelo engenheiro, que mostrou para eles a mineração e o beneficiamento. Segundo nos conta Lídio, a mina produzia “cal, carbonato de cálcio e sulfato de cálcio”. O engenheiro explicou para eles o processo, os principais tipos de produtos. Lídio anotou tudo o que pode em seu diário, e os rapazes seguiram na estrada.

Lá pelas 11 horas, quando estavam almoçando embaixo de uma grande árvore, uma chuva os apanhou de surpresa: tentaram achar uma casa, mas não acharam. Chefe Beto gritou: “Cada um por si e Deus por todos!”. Não tinha para onde fugir, e cada um por si virou todos juntos. Acabaram estendendo a lona por cima deles, e ficaram esperando a chuva passar. Quando virou chuvisco, retornaram à estrada.

Chegaram a Capão Bonito na hora da Ave Maria, ou seja, às seis da tarde. Os sinos da igreja matriz badalavam na praça Rui Barbosa. Os meninos, todos católicos, ficaram emocionados ao ouvirem o som do sino. Contritos, oraram ali mesmo na praça da igreja pedindo saúde e coragem para que pudessem prosseguir na viagem.

Um fiscal da prefeitura de Capão Bonito os aguardava: foram todos conduzidos a uma pensão ali por perto. A pensão pertencia ao chefe escoteiro local, o chefe Mimi, que os acolheu muito bem. Após um bom banho, os rapazes jantaram ali mesmo na pensão de chefe Mimi. Depois, eles foram fazer uma visita ao prefeito, o Dr. Francisco Neves. Este, segundo Lídio um homem educado e cortês, que atendia a todos com simplicidade, ofereceu aos meninos um modesto coquetel.

Os escoteiros contaram sua história e a história da sua missão, sendo muito bem recebidos pelo prefeito e pelas pessoas presentes. Todos ficaram admirados com a coragem dos meninos e sua disposição nesta viagem.

Os meninos ainda foram aos telégrafos, mandar um telegrama para Antonina, informando o pessoal sobre sua posição. Depois, foram ao teatro municipal e ao clube literário de Capão Bonito, onde tiveram uma noite de celebridade. Contaram muitas histórias, deram autógrafos aos rapazes e moças ali presentes.

E, como ninguém é de ferro, foram numa brincadeira dançante que lhes foi oferecida. Caíram na farra, tendo ido dormir já era quase uma hora da manhã.

18 – LINGUIÇA SALGADA COM FARINHA SURUÍ

Bairro da Serraria, Capão Bonito (SP), 1940.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 30 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) saíram de Capão Bonito, com destino a Itapetininga).

No dia seguinte, os escoteiros aproveitaram as camas da pensão do Chefe Mimi, na cidade de Capão Bonito, e dormiram um pouco mais. O sol forte do caminho ia começando a produzir seus estragos. Os rapazes, como de hábito, acordaram cedo.

No entanto, tiveram que esperar pelo café, para ser tomado com o chefe e sua família. Tomaram um bom café ao redor da mesa da pensão. Mas todos estavam impacientes, a estrada os esperava. Lá pelas 9:30, puseram-se novamente na estrada.

Neste mesmo dia, o jornal Correio Paulistano, grande jornal da Capital, colocava numa pequena nota, dizendo que os escoteiros da “próspera cidade paranaense [de Antonina]” haviam passado por Ribeira as 11 h do dia 23 (na verdade, como vimos aqui, foi no dia 24). Apesar de pequenas, a nota dava a entender que havia notícia da aventura e que esta estava sendo acompanhada pela imprensa.

A partir de Capão Bonito, os rapazes entrariam numa região bem mais plana que o planalto de Apiaí e as serras de Paranapiacaba. No plano, também, havia vários caminhos a percorrer. O mais curto deles passava por cidades pequenas, como São Miguel Arcanjo e Pilar do Sul. No entanto, avaliaram que seria muito mais penoso, e com menos estrutura. Decidiram, portanto, seguir a rota mais antiga e mais longa, mas que passava por centros maiores, como Gramadinho, Itapetininga, Sorocaba e São Roque.

O caminho foi bastante tranquilo. Apesar do sol forte, os rapazes chegaram a Gramadinho, a próxima etapa da viagem, ainda no fim do dia. Lá, acabaram por pedir pouso numa Delegacia de Polícia. Lídio não esqueceria esta noite.

Atacado por uma forte dor de cabeça, Lídio pediu aos companheiros um copo de água para tomar uma aspirina. Milton e Manduca foram ao poço que havia nos fundos da delegacia. Mas eles estavam demorando para trazer o tal do copo de água. Lídio se impacientou. Mesmo com febre e dor de cabeça, foi lá fora ver onde eles estavam. A situação que encontrou não era nada fácil.

Com os pés no chão frio e meio zonzo da febre, Lídio foi encontrar os companheiros. No meio da noite, Milton e Manduca estavam tentando passar por um arame farpado que dava acesso ao poço. O acesso se fazia por meio de um caracol de arame farpado, que foi difícil de cruzar no meio da noite escura. Uma vez resolvido o acesso ao poço, os rapazes tiveram que consertar a manivela do poço, que estava quebrada. Mas, apesar de todos os perrengues, ainda viriam outros mais: quando puxaram a água do poço viram que o balde estava furado.

Nada de água. A febre de Lídio continuava.

Um deles foi pegar uma marmita. Improvisada como balde, jogaram a marmita e ela desceu e voltou lá de baixo, cheia água. Quando foram ver, a água era meio salobra. Mas Lídio estava desesperado. A febre seguia e ele estava desesperado para tomar a aspirina. Nessa hora, o rapaz não quis nem saber. Pegou a marmita e tomou a aspirina na água ruim do poço da Delegacia.

Quando voltaram para o alojamento, ainda meio zonzo, os rapazes foram dormir.

Após um momento, a dor de cabeça de Lídio foi passando e, com ela, veio o sono.

Somente no dia seguinte foi que ele se lembrou de uma linguiça salgada com farinha suruí, que havia comido na noite anterior.

A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 5ª PARTE — CAPÍTULOS 13 A 15

13 – SUBINDO A SERRA DE APIAÍ

Vista aérea da Cidade de Ribeira, 1941.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 25 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca), depois de passar o Natal em Capela da Ribeira, primeira cidade paulista do trajeto, estão tentando vencer os agrestes da Serra de Apiaí. Será que eles conseguirão passar?)

Depois da grande festa do Natal, os escoteiros acabaram por acordar tarde. Iam acordando uns aos outros, sonolentos, ainda com um pouco de ressaca da festa.

Lydio conta que tomou café com maisena e uns doces que haviam sobrado da ceia. Irrequieto, foi passear.

Na cidade, o jovem escoteiro ficou abismado com os buracos de balas de fuzil e metralhadora ainda visíveis na pequena igreja matriz de Capela da Ribeira. Ainda eram resquícios dos enfrentamentos durante a Revolução constitucionalista de 1932, ainda presente nove anos depois. “Nem a casa de Deus eles respeitaram”, anotou depois em seu diário.

Pouco depois, ele fez o caminho de volta e foi até o posto fiscal de Paranaí, hoje conhecida como Adrianópolis. Lá, não encontrou os fiscais com quem haviam feito camaradagem no dia anterior. E voltou à Capela da Ribeira.

Naquele tempo as duas cidades eram pequenas, e o surto industrial e mineiro estava ainda começando. Restritas pelo vale do rio Ribeira e pelos morros íngremes formados por rochas muito antigas, as duas cidades eram uma só. As casas eram construídas ao longo do único caminho possível. Somente onde o rio havia deixado algum terreno plano é que as duas cidades se espraiavam, ainda que pouco.

Lydio conta que os habitantes nunca haviam visto um escoteiro. E ainda mais aqueles, de uniformes e seguindo rumo a uma importante missão. Todos ficaram impressionados. As mocinhas, ainda mais.

Lydio nos conta de Iolanda, filha do padeiro, por quem teve seus sentimentos e que, por fim, deixou saudades. Manduca então reclamou que Lydio tinha “imã” para as mulheres. Lydio então brincou e disse que era porque Manduca tinha cabelo feio.

Milton, mais lacônico, acompanhava a conversa rindo ora de um, ora de outro.

Durante a tarde, os rapazes não fizeram nada. Ou melhor, fizeram. Foram para o rio tomar banho e amenizar o calor. Diversos outros rapazes e moças da cidade (mais moças que rapazes, segundo anotou Lydio) também ficaram lá com eles na pequena praia de rio. O tempo passou e eles nem sentiram.

Os rapazes se despediram de Capela da Ribeira, onde tiveram acolhimento tão bom, e seguiram viagem. Saíram as oito da noite para uma caminhada noturna subindo a serra de Apiaí.

Todos eles haviam participado já de caminhadas nestas condições. A Patrulha Touro dos escoteiros de Antonina havia participado de diversas corridas do facho e subidas pela Serra da Graciosa. Pela sua experiência e resiliência é que foram os escolhidos para a missão.

Entretanto, a Serra de Apiaí não era um desafio fácil. Pedregosa, com a estrada precária, a progressão era lenta. Apesar de estar mais fresco, a escuridão era total, e os meninos foram seguindo a trilha em fila indiana, com o auxilio de lanternas.

Depois de cerca de cinco horas de intensa caminhada serra acima, encontraram um pequeno casebre abandonado na beira da estrada.

Exaustos, decidiram passar ali a noite.

Acordaram às cinco da manhã. A claridade fazia ver as rochas esparsas no alto da serra, assim como a floresta cerrada. Um espesso nevoeiro cobra os vales. Os rapazes ouviram um barulho de água ali por perto. Era um regato que cruzava a serra e fazia um barulho da água passando por entre as pedras. No entanto, o acesso até ele era difícil, pois o regato corria alojado numa ravina bastante funda, de acesso difícil.

No entanto, obstinados em tomar um café, os rapazes se aventuraram a descer a barroca para pegar água e trazer lenha para a fogueira. Todos, menos Milton. Ele fora poupado, pois a caminhada noturna havia produzido uma enorme assadura em suas virilhas.

Às sete da manhã, depois do café, os rapazes voltaram à trilha. O sol alto ia castigando-os todos. Lydio conta que as pernas estavam todas arranhadas pelo capim corta-rapaz, e o sol fazia os arranhões queimar e coçar.

Somente lá pelas onze horas da manhã que eles finalmente chegaram à vila de Apiaí, novo trecho da jornada.

14 – A FESTA DE SÃO BENEDITO!

A Gloriosa Vila de Santo Antonio das Minas de Apiaí, hoje. Apiaí, em vista aérea de 1941.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 26 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão em Apiaí, onde presenciaram uma importante festa religiosa.)

Para Alexandre Oliveira, o Alê.

Os bravos escoteiros chegaram em Apiaí no dia 26 de dezembro de 1941. Cansados depois de vencer a Serra de Apiaí numa noite, vindos de Capela da Ribeira, eles foram procurar o prefeito municipal. Ao chegar numa cidade, os escoteiros tinham por obrigação procurar as autoridades para assinar o livro que dava conta da passagem deles pelo local.

No entanto, o prefeito de Apiaí, o Senhor Isaias Teixeira, acabou por fugir dos meninos. Estes o viram quando ele entrou em sua casa, em companhia de outro homem. No entanto, ao baterem na porta, informaram que ele não estava. Tudo Isso, segundo Lydio, porque o prefeito receou que eles fossem mendigar estadia no seu hotel, o Hotel Teixeira, o melhor hotel da cidade. “Isso nunca será esquecido por nós”, anotou Lydio em seu diário.

Por fim, os rapazes acabaram por montar barraca numa clareira perto da cidade. Haviam decidido não caminhar mais aquele dia, pois estavam todos cansados com assaduras nas pernas. O local onde acamparam era num terreno onde havia um hospital em construção. Ali colocaram as lonas e se abrigaram do sol inclemente.

Apiaí está localizada a mais de mil metros de altitude, num topo de morro, com uma avenida principal serpenteando pela cumeeira. Descendo desta avenida estão as ruas centrais onde estão as casas das pessoas mais ricas do lugar. Nos vales mais abaixo se encontram as casas mais simples, das pessoas mais pobres. Lydio anota que cerca de 70% das pessoas em Apiaí eram negros, provavelmente descendentes dos que trabalharam como escravos nas ricas Minas de Apiaí, que tanto fizeram a fama da cidade.

Apiaí tinha funcionando próxima da cidade a Mina do Morro, uma das mais importantes minas de ouro do vale do Ribeira. Explorada por uma empresa japonesa, a mina estava escavando galerias e tirando o ouro por métodos modernos de extração para a época. A exploração foi interrompida quando o Brasil declarou guerra aos países do eixo, poucos meses depois da passagem dos escoteiros por Apiaí. A área da Mina do Morro hoje em dia é um parque bem próximo da cidade, com intensa visitação.

Do outro lado da cidade, a Usina Experimental de Chumbo, no bairro do Palmital, havia iniciado naquele mesmo ano de 1041 sua produção. Construída pelo governo paulista com a administração do IPT, a usina também era uma aposta do governo paulista na exploração de chumbo e prata por técnicas mais modernas e baratas, viabilizando a produção das pequenas minas da região. Fechada durante a guerra, a usina nunca mais funcionou.

No dia em que os rapazes por lá chegaram, a população negra de Apiaí estava em festa, pois era dia de São Benedito. Os rapazes, depois de um descanso, fizeram uma janta composta por costela de porco assada, pão e café de coador. Depois que o sol baixou, as cinco da tarde, eles foram à cidade para apreciar a festa.

A procissão, composta quase que totalmente por negros, era bastante impressionante. A confraria de São Benedito, carregava a estátua do santo pelas ruas, ao som de cânticos, seguida por uma multidão. Os membros da confraria, responsáveis pelo andor, vestiam uma túnica branca e portavam tocheiros com vela.

Depois da procissão, já cansados, os rapazes voltaram ao seu acampamento improvisado nas obras do hospital, onde dormiram um sono pesado.

15 – TIROTEIO NO CASAMENTO!!

A Estrada de Apiai para Guapiara hoje. Retitando o asfalto, a
paisagem é praticamente a mesma que os escoteiros
encontraram em 1941.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 27 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de Apiaí. Num lugarejo do meio da estrada, eles levaram um baita susto numa festa de casamento.)

Eram sete horas da manhã quando os escoteiros se puseram na estrada, deixando Apiaí para trás em sua jornada.

Agora eles andavam por uma rodovia movimentada, e não mais numa estrada secundária no meio do nada. Ao contrário do Vale da Ribeira, no trecho paranaense, o tráfego de automóveis e ônibus ali era intenso. Volta e meia passava um carro ou ônibus e levantavam muita poeira, às vezes quase impedindo-os de enxergar claramente a frente.

A fina poeira do planalto de Apiaí era constantemente sacudida pelos carros da Viação Pássaro Azul e do expresso Paraná-São Paulo. Os ônibus da Viação Cometa também passavam. A poeira e o calor eram muito fortes. Ao meio dia, os rapazes pararam para descansar e comer um pouco. Almoçaram o farnel que traziam, resultado da noite anterior: costela de porco assada, pão e café.

Durante a caminhada eles continuamente assoviavam canções escoteiras, em geral dobrados que eram executados pela banda dos escoteiros. Iam alegremente à frente, cantando suas canções prediletas.

Quando as dificuldades e o cansaço surgiam, Lydio nos diz que eles procuravam lembrar-se da 8ª lei do escoteiro: “o escoteiro é alegre e sorri nas dificuldades”. Com estes pensamentos em mente, e ritmados pelo som dos dobrados da sua banda, os meninos atravessaram os morros do planalto de Apiaí durante todo o dia.

Ao final do dia, estavam chegando na povoação de Banhado Grande. Banhado Grande era pequena, com cerca de 9 casas de madeira, bem conservadas. Eles procuraram pouso, e o inspetor de quarteirão os colocou numa velha casa abandonada. Foi um alívio, ter um teto para dormir!

Antes de se acomodarem, porém, os rapazes viram uma cerimônia de casamento celebrado na vila, e que impressionou a todos. Lydio nos conta que o noivo chegou montado num belo cavalo negro, acompanhado de uma guarda de honra. A seguir, a noiva chegou numa carroça puxada por dois cavalos, toda enfeitada de flores. Atrás da carroça da noiva, vinha outra carroça enfeitada de flores com as damas. As damas estavam todas vestidas de branco, o que fez um belo contraste com as cores da paisagem.

Na casa do inspetor de quarteirão, onde seria celebrada a cerimônia, estavam aguardando os noivos o juiz de paz e o escrivão de Apiaí. A cerimônia foi celebrada, como de praxe. Na saída da cerimônia, em vez do tradicional arroz, os homens sacaram de seus revólveres e atiraram para o alto, em grande algazarra. Uma barragem de fogos também ocorreu, ensurdecendo a todos. Lydio notou que o foguetório assustou os animais.

Findo o casamento, o inspetor de quarteirão ofereceu uma janta aos rapazes, que estavam bastante impressionados com a cerimônia que haviam assistido. Durante a janta, perguntaram ao Inspetor sobre os caminhos que deveriam seguir nos próximos dias, seus problemas e dificuldades. E também contaram ao homem sobre a viagem e sobre os episódios que viveram até ali.

De tanto que falou da viagem, Lydio nesta noite teve dificuldade de dormir, lembrando de seus pais e familiares, lá na distante Antonina.

A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 4ª PARTE — CAPÍTULOS 10 A 12

10 – CANÁRIO, O GARFO NUMERO UM!

A Vila de Tuneiras, atual Tunas do Paraná, na década de 1950, dez anos depois da passagem dos escoteiros por lá.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 22 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão cruzando o perigoso Vale do Ribeira, cheio de mato e gente mal encarada.)

Ainda assustados com a notícia do horrendo crime de que ouviram falar na Vila de São Pedro, os rapazes acordaram cedo e não quiseram saber de conversa. Um café sem mistura e logo as 7:00 já estavam na estrada.

Aquela região era repleta de pequenas estradinhas. Os rapazes caminhavam com cuidado para não se perderem. Estavam procurando a vila de Bonsucesso. Depois de muito penar, acabaram acertando o caminho. O caminho, aliás, era estreito, e eles tinham que passar em fila indiana. Chefe Beto na frente Lydio encerrando a fila. A medida em que caminhavam, a distância de um para o outro ficava longa. Em alguns casos, chegaram a ficar um quilômetro uns dos outros. O cansaço ia dominando os rapazes, e eles pararam para descansar.

Neste pouso, combinaram que iam caminhar todos juntos. Outra coisa a decidir era o que comer. Enganaram os estômagos com água com açúcar e continuaram a caminhar tentando ultrapassar de vez a Serra da Bocaina. Havia muitos passarinhos na trilha. Lydio, poético, chegou a definir sua cantoria como uma sinfonia desafinada. Também era muito atento as belas orquídeas e caraguatás, dispostas em arvores altas e nas altas pedras do caminho.

Neste caminho, encontraram também muitas mulheres a cavalo. Lydio as descreveu como caboclas de olhos rasgados, tipo bugras. Exímias amazonas, cruzavam o caminho deles e saíam em desabalada carreira. Na certa, para avisar seus maridos que a Polícia Volante, ou seja, eles, estavam por perto.

Com efeito, ao chegar nas casinhas no meio do mato os rapazes só encontravam cachorros magros e crianças maltrapilhas. Estas crianças só sabiam dizer que seus pais não estavam ali. Os cinco rapazes não tinham como perceber, mas esta era uma estratégia de invisibilidade. Assim as populações tradicionais e originárias haviam resistido à ocupação do estado brasileiro e suas levas de ocupação “civilizada” nestes cinco séculos. Parecia uma coisa banal, mas era uma estratégia muito bem elaborada. Era um lugar de estar e não estar, numa guerrilha perpétua.

A “guerra brasílica” ainda era travada, sem que os escoteiros o soubessem, ali naqueles planaltos aparentemente desertos que eles estavam atravessando.

Havia, ainda a fome. No meio da estrada, um pé de ingá carregado supriu por ora as forças da rapaziada. O cansaço era grande. De vez em quando, Lydio confessa, a tristeza tomava conta dos rapazes. Uma semana quase já longe de casa. E que perrengues! De vez em quando, durante a caminhada, eles choravam bem baixinho longe dos outros para não serem notados.

Eles passaram pela localidade de Antinha às 14 horas. Às três e meia, já estavam avistando as pequenas casas da vila de Ouro Fino. Neste lugar, eles compraram um almoço de uma família polonesa que morava por ali. Enquanto a boia não ficava pronta, eles descansaram algumas horas num campo aberto, cortado por um corguinho de água fria e limpa que corria para leste, na direção do rio Pardo. A sombra em que descansaram era um pé de Santa Bárbara frondoso e ramado.

Quando a boia ficou pronta, eles avançaram. O almoço, depois de tanto tempo de aperto, era batatinha, repolho, ovos e farinha de milho. Como sobremesa, café com leite e broa de centeio. Lydio em seu diário faz uma singela homenagem seu colega Canário, eleito por unanimidade o garfo número um da turma. “Como comeu esse garoto”, comenta Lydio.

Depois de fazer uma pequena siesta na beira das árvores, os rapazes se aprontaram e seguiram viagem. Passaram, no caminho por uma plantação de linho, que desconheciam. Lydio anota que a plantação de linho parecia ouro.

Já tinham caminhado 4 quilômetros, quando Milton parou: “Xi! Esqueci meu bornal com toda a minha roupa naquele último lugar que paramos! Mas eu não volto lá de jeito nenhum!”. Tentamos convencê-lo a ir, pois estaríamos esperando, mas ele não concordou, e seguimos viagem.

Nesta altura, eles já haviam descido a Serra do cadeado, que foi contornada por uma parte mais acessível. Às 17 horas eles passaram pela vila de São Sebastião e, às 18 horas, chegaram em Tuneiras para pernoitar.

Na povoação, deram um paiol de milho para eles dormirem. As camas eram feitas de palhas e sabugos, no entanto, as ratazanas também infestavam o lugar. Lydio acabou por dormir fora do paiol, perto do fogo, mas longe das ratazanas.

11 – NA VILA DOS FUGITIVOS

Os escoteiros iam percorrendo as Serranias do Ribeira, repletas de matas de Araucária.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 23 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão chegando atravessando as Serranias do Ribeira. Lá. Eles chegaram numa cidade de gente mal-encarada. Será que eles vão ter problemas?)

Apesar de dormirem num paiol de milho cheio de ratazanas em Tuneiras, os rapazes acordaram animados naquela terça feira, 23 de dezembro. O final da primeira etapa da viagem, a cidade de Capela da Ribeira, poderia ser finalmente alcançada.

Eles seguiram então no rumo norte, pela “estrada provisória”, que ligava parcialmente Curitiba a Capela da Ribeira. Segundo o diário de Lydio, a estrada era muito malconservada, cheia de buracos, com pontes de madeira apodrecida. Ao longo da estrada, estavam passando continuamente tropas de mulas carregando balaios com milho e feijão. De vez em quando, uma carroça puxada por bois se fazia ouvir de longe, cortando o silencio da paisagem.

Logo adiante os meninos ficaram assombrados: estavam passando pela Garganta do Leandro, onde o rio Passa-Vinte formava uma grande cachoeira. Para Lydio, o barulho era equivalente a um trovão, e podia ser ouvido a muitos metros de distância.

Depois deste espetáculo bonito da natureza, começou outro, macabro: ao longo da estrada viam-se aqui e ali diversos esqueletos de caminhões de combate, enferrujando no clima quente e úmido do vale do Ribeira. Eram restos de antigos combates da Revolução Paulista de 1932.

A região que eles estavam cruzando era a frente do Ribeira da guerra civil deflagrada com o manifesto constitucionalista de São Paulo. Apesar de não ser uma das frentes mais importantes, ali também haviam ocorrido alguns combates. Na garganta do Leandro Lydio notou horrorizado um cemitério com cruzes de ferro dos soldados mortos durante os combates da revolução constitucionalista de São Paulo. Havia apenas oito anos, aquela região havia sido palco de combate entre as forças de São Paulo com os batalhões paranaenses.

Deixando para trás aquele cenário de guerra, os meninos passaram pela localidade de Poço Grande e no inicio da tarde já estão no lugarejo de Maria Gorda. Ali, Lydio anotou que existia a mina de cobre de Garapongá. A região do vale era também (ainda é) uma região riquíssima em bens minerais.

Neste período, havia uma grande concentração de pequenas minas de cobre e chumbo por toda a região. Em Apiaí, no lado paulista do vale, estava sendo construída uma Usina Experimental de Chumbo para beneficiar o minério e seus subprodutos, como a prata, o ouro e o zinco. Era um período de grande investimento público e privado, e pequenos povoados mineiros iam se formando aqui e ali, no meio da imensa mata.

Depois de tomar um café e um bolo de fubá, os meninos seguiram rumo norte, em direção ao vilarejo de Epitácio Pessoa.

No caminho, Lydio notou (e anotou em seu diário) que o rio que margeava a estrada, o Rio Grande, corria sobre um leito de areias muito brancas. Aqui e ali, havia algumas pequenas cacheiras, que Lydio anotou como sendo de gré vermelha. Gré ou grés é uma palavra francesa para arenito, o que não está de todo incorreto, visto que realmente ocorrem muitos corpos de rochas que poderiam ser assim denominadas nesta época.

Os jovens escoteiros estavam atravessando uma zona composta por rochas metamórficas muito antigas, que formam grandes cristas de serra, formada por duros quartzitos. Em outros locais, ocorriam mármores ora cinzentos, ora mais claros. Estas rochas eram a razão do potencial mineral do Vale do Ribeira. Só para dar um exemplo: na vila de Pedra Preta, onde hoje está a atual cidade de Tunas do Paraná, haveria de se iniciar alguns anos depois a extração de uma rocha ornamental muito usada hoje em dia, o “granito verde Tunas”.

Nas encostas das serras que eles iam pacientemente atravessando, eram frequentes as cachoeiras. Nestas cachoeiras e corredeiras ao longo da estrada, as caninhas do mato e os cordões de frade estavam sempre presentes, batidas pelo vento formado pela energia das quedas d´água. Um espetáculo para encher os olhos…

Nesta bucólica caminhada, os meninos chegaram na vila de Epitácio Pessoa no fim da tarde. A vila já tinha sido mais importante, mas estava em decadência econômica. As casas de estuque tinham buracos na parede e estavam com aparência de malconservadas. A igrejinha pequena, no alto de uma pequena colina, não dava aparência melhor à vila.

Os rapazes encontraram abrigo numa casa que servia de botequim, escola, residência e engenhoca de cachaça. Ao procurarem um rio para tomar banho, conversaram com alguns meninos da vila. Estes meninos disseram que os homens do lugar não estavam gostando da presença deles ali. Achavam que eles eram policiais procurando marginais e fugitivos homiziados naquele fim de mundo. A razão para as suspeitas eram as vestimentas do chefe Beto. Vestido com um culote e portando um capacete, chefe Beto também tinha um revólver na cintura. O porte militar do jovem chefe escoteiro chamou a atenção dos homens da cidade. Ali, naquela vila cheia de fugitivos da justiça, a sua simples presença provocava verdadeiramente esta suspeita.

Entretanto, o que realmente chamou atenção dos rapazes foi a professorinha da vila. Curiosa e bonitinha, ela atraiu a atenção dos rapazes, que ficaram conversando com a moça até a hora de dormir.

Na hora de dormir, chefe Beto ficou com a única cama, tendo os outros que se contentar com o chão. Aquela seria a ultima noite dos rapazes no sertão paranaense.

12 – UM NATAL NA CAPELA

A atual cidade de Ribeira (SP), antiga Capela da Ribeira, onde os escoteiros passaram o Natal de 1941.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 24 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão chegando a Capela do Ribeira, primeira cidade paulista do trajeto, onde eles passariam o Natal.)

Os escoteiros acordaram cedo naquela véspera de natal. Era o natal de 1941. Um Natal triste para muita gente em muitos lugares do planeta. A guerra seguia feroz na Europa.

Os soviéticos lutavam desesperadamente para manter Moscou e Leningrado, ameaçadas pelas tropas do Eixo. Na África, a luta era por Bengazi, na Líbia. No entanto, era na Ásia que a guerra estava mais violenta. Os americanos eram batidos nas Filipinas e os ingleses lutavam desesperadamente para manter Hong Kong frente ao avanço japonês.

Os meninos deixaram Epitácio Pessoa às 7 horas da manhã, agradecendo o pouso e a boa acolhida na vila. Agora desciam a estrada margeando o Rio Grande rumo à Barra Grande, onde encontrariam o majestoso rio Ribeira de Iguape. Dali, era só seguir para Adrianópolis e cruzar a ponte que já estariam em São Paulo, etapa seguinte da marcha.

No caminho Lydio notou maravilhado os inúmeros monjolos que iam encontrando no caminho. Anotou que estes moinhos rústicos eram muito úteis naquelas paragens distantes, onde não havia energia elétrica ainda. E notava o movimento do soque com uma certa nostalgia: “um sobe e desce sem parar, um barulho gostoso de se ouvir”.

Os meninos chegaram na localidade de Descampado ao final da manhã. Lá, tiveram um contratempo, pois ninguém ali quis vender comida para eles. Nem um pãozinho. Fosse porque não tinham, fosse porque não queriam vender nada aos forasteiros, os rapazes tiveram que se contentar em comer biju com chimarrão.

Lydio anotou que, apesar de desnutridos, continuaram a caminhada sem queixas ou lamentações. Segundo ele, haviam perdido 6 quilos cada um nesta primeira etapa da viagem. E a tendência era perder ainda mais.

A viagem pela “estrada provisória” seguiu até Barra Grande, onde encontraram o Ribeira. Em dezembro, o rio está barrento por causa da estação das chuvas. Somente algumas pedras eram visíveis ao longo do rio.

Cercado por morros bastante íngremes e com uma vegetação em diferentes tons de verde, os rapazes finalmente avistaram a rodovia federal, que chegava até Paranaí, a atual Adrianópolis. Antes de cruzar a ponte de concreto que ligava Adrianópolis a Capela da Ribeira – hoje o município paulista de Ribeira – os rapazes tomaram um chimarrão com os fiscais estaduais e federais no lado paranaense da ponte. E só depois cruzaram o rio.

A ponte sobre o Ribeira é uma luta eterna das duas comunidades. Esta que os meninos cruzaram foi a primeira ponte de concreto. O rio Ribeira, cheio de energia, não está nem aí para as pontes, e já derrubou todas elas. A atual ponte de concreto, a mais alta e reforçada de todas, foi construída em 1998-99, depois de ter sido destruída por uma forte cheia.

No lado paranaense, Lydio anotou, cheio de certa nostalgia, que havia do lado paranaense um grande outdoor onde estava escrito: “Paraná, terra dos pinheirais”.

Ao fim da tarde, na cidade de Ribeira, os rapazes procuraram as autoridades locais. Encontraram o secretário da prefeitura. Este avisou que ali não havia pensão suficiente para abrigá-los todos, e o prefeito estava viajando. No entanto, o secretário lhes ofereceu sua própria casa.

Depois de tomar banho no Ribeira e colocarem os uniformes “de gala”, os meninos foram para a praça principal, onde fizeram uma rápida reunião. Nesta reunião eles decidiram os próximos passos rumo a capital São Paulo, próxima etapa da viagem. E decidiram enviar um telegrama para Antonina, para avisar que estavam todos bem.

Qual não foi o espanto dos rapazes ao descobrir que haviam dois telegramas esperando por eles, datados de dois dias antes: um da prefeitura municipal, avisando da presença dos escoteiros por ali. O outro telegrama era do chefe Picanço, pedindo para que o Chefe Beto entrasse em contato com ele, pois todos estavam ansiosos por notícias. Era o primeiro contato que tiveram desde que haviam saído de Antonina, oito dias antes.

Os escoteiros mandaram orgulhosos um telegrama: “Capella da Ribeira 24 dezembro 1941: chegamos hoje bons vencemos primeira etapa continuamos amanhã noite – Sempre Alerta! Beto Milton Lydio Manoel Antonio”.

Os rapazes ainda cheios de energia alugaram umas bicicletas e foram passear, menos o chefe beto e Canário, que ficaram no banco da praça descansando. Lydio ainda teve tempo de mandar cartas para a família e amigos. Também foi á alfaiataria do Elpídio. Ele ainda mandou costurar suas calças descosturadas na entreperna, além de consertar um sem-número de botões da roupa dos demais.

Houve um apagão de energia elétrica, que durou até as nove da noite. A energia vinha de Apiaí, e demorou a ser reparada. Que inconveniente conveniente! Enquanto isso, os rapazes ficaram na praça escura e até arrumaram umas namoradas.

Depois, à meia noite, os rapazes assistiram a missa do Galo em Capela da Ribeira, ministrada pelo padre de Apiaí. Lydio aproveitou seu curriculum de coroinha e ajudou o padre, junto com uma menina que era Filha de Maria. Foi um comentário só na igreja um coroinha vestido de escoteiro!

Depois, os rapazes participaram da ceia na casa do secretário municipal, onde estavam alojados. Foram servidas gasosa, soda limonada e vinho, além de um grande bolo com motivos natalinos.

Já era quase duas da manhã quando todos, exaustos, foram dormir. Dingobells!

A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 3ª PARTE — CAPÍTULOS 7 A 9

A grande aventura dos nossos Companheiros paranaenses de idos passados prossegue. As partes anteriores são encontradas rolando o blog para baixo!

7 – O RAPAZ MISTERIOSO

Enquanto os escoteiros antoninenses subiam a Serra dos Órgãos, em dezembro de 1941, soldados soviéticos se preparam para defender Moscou das tropas nazistas.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 19 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão tentando atravessar a Serra dos órgãos. Eles vão precisar de toda ajuda…terrena e do além…).

Depois de tomar café, e cansados pela noite mal dormida, os rapazes seguiram firmes pela estreita trilha. Caminhavam com o uso de bastões, com a mochila nas costas e muito medo de se perder. Lydio ia sempre rezando, pedindo sucesso. Além do mato fechado, atravessaram muitas roças de mandioca abandonadas.

Chegaram na casa do último morador da região, conhecido por Antônio Órfão. Só mesmo um órfão para ficar morando aqui neste fim de mundo, devem ter pensado os rapazes. O Seu Antônio, simpático, contou aos rapazes que eles já estavam subindo pra Serra dos Órgãos.

Bem perto deles estava o Pico Paraná, o maior pico da serra e o mais alto pico da Região Sul. Hoje, a altura do Pico Paraná está calculada em 1.877 m [dado extraído do Google pelo escriba da Patrulha Jaguatirica]. Majestoso e enevoado, o grande paredão de granito era, na época, um desafio para os escaladores de montanhas.

Sem ter pretensões de escaladores, os rapazes prosseguiam subindo. A vegetação era cada vez pior: cheio de espinhos, bambus, pequenas epífitas, capins. Tudo machucava, tudo picava. Até as plantas eram agressivas: espinhos, urtiga e capim corta-rapaz. Lydio teve uma epifania: chegariam ao objetivo custasse o que custasse. Não eram aquelas montanhas e aquele mato que os deteriam. Pedras e mais pedras, fendas, paredões, nada os deteria. Cobras venenosas, como jararacas, urutus, jararacuçus, bicoraias, verde, caninana, e aranhas caranguejeiras, nada os deteria.

Só a água. Quando acabou a água dos cantis, os rapazes começaram a se desesperar. Um deles gritou: “Ai, estou morrendo de sede! Água, pelo amor de Deus!”. As gargantas secas se desesperavam sem água.

Chefe Beto teve uma ideia: cortar taquaras e beber a água que tinha dentro do caniço. Quando cortaram um caniço, no entanto, de lá saltou um marandová gigante! Ao ver o bicho cabeludo correndo desesperado pelo chão, os rapazes sentiram tão abandonados quanto ele: como fazer para ter água?

Logo, descobriram no chão, debaixo das folhagens, algumas pegadas de cavalo com água da chuva estagnada. Os rapazes saciaram a sede usando algodão na boca para filtrar a água amarela e cheia de mosquitos daquelas poças d’água.

Saciados, comeram alguns enlatados. Tinha até goiabada, não podia estar tão ruim…o bornal de Lydio ia ficando mais leve…

Pouco mais adiante encontraram um caçador. Ele nos avisou que havia uma vara de porcos do mato por ali. “ela tá ali, na barrocada. Pode atacar e dar muitas dor de cabeça pra vosmisseis”. Os rapazes trataram de sair logo dali. Chefe Beto seguia na frente. Milton ia atrás, tropeçando em todos os buracos, segundo Lydio. Eles seguiam bem o caminho das patas da vara de porcos, e iam subindo a serra. Ali havia muitas aves. Muito frequentemente ouviam o batido da araponga ao longe. Subiram muito, até ficarem extenuados. Lydio conta que eles pareciam perto do céu.

Estava já meio escuro, embora fosse ainda três e meia da tarde. Foi quando um rapaz surgiu ali no meio da trilha. Ao saber para onde os escoteiros iam, ele se propôs a guiá-los. O caminho era muito perigoso. Aqui e ali, gigantescos paredões apontavam para cima e fendas profundas formavam precipícios. Lydio conta que, em determinado momento tropeçou num buraco, e ficou sem equilibro na beira de um precipício. Canário até gritou: Cuidado Lydio!”. Mas, naquela situação, foi a mão firma do rapaz desconhecido que o segurou e o pôs em equilíbrio na trilha.

Seguiram caminhando, até próximo do rio Capivari. Numa encruzilhada, o rapaz desapareceu, embrenhando-se por um caminho. Lydio e os demais rapazes não perceberam que ele tinha ido embora. Quem seria ele?

8 – CURANDO AS FERIDAS

Sitio na atual Bocaiuva, antiga Queimadas…ainda hoje com pequenas propriedades e matas “sujas” com araucárias misturadas as outras espécies. Era uma paisagem semelhante a essa que os escoteiros encontraram em dezembro de 1941.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 20 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão andando pelas perigosas serranias do Ribeira.)

Depois do trecho mais perigoso de Serra, os rapazes caminhavam agora pelos morros do Planalto Curitibano. Os morros mais altos já estavam cobertos por um denso nevoeiro. Era uma cena magnifica. Após a trilha de incertezas, que, segundo Lydio, foi a subida da Serra, o ânimo já era outro, de alegria pela vitória conquistada.

Ao descer do Morro, os rapazes acharam a água que eles estavam precisando. Aquele riozinho, muito apropriadamente, era chamado de Rio Paraíso. Segundo Lydio, foi uma alegria total. Logo, estavam os cinco completamente pelados, tomando banho no pequeno riacho de água fria. Neste local, Milton tirou uma foto do grupo (não se sabe se vestidos ou pelados). Infelizmente, a foto queimou ao ser revelada…

Logo depois, eles atravessavam o rio Paraiso e cruzaram um extenso trecho a facão, pois a mata ainda era muito densa. Logo depois, chegaram a uma estrada. Estavam próximos ao Rio Ribeirão Grande.

Lídio espantou-se ao ver casas cobertas com telhas de tabuinhas. Para ele pareceu uma aldeia africana. Seguindo pela estrada alcançaram uma venda e quatro quilômetros adiante acamparam numa roça de milho.

Uma vez armada a barraca, os rapazes se dividiram para procurar lenha e água. Outros procuraram pedras para fazer de fogão. Afinal, acenderam a lenha, e Manduca e Canário ficaram ocupados em cozinhar o milho.

O relógio de Lydio marcava 19:30 horas quando eles finalmente comeram o milho e tomaram uma revigorante xícara de café. Estavam tão assustados, animados e felizes que cada um fez uma prece para Deus e para Nossa Senhora do Pilar por terem vencido mais esta etapa.

No entanto, a coisa não andou tão bem assim. Às 4 horas da manhã, um temporal com vento forte derrubou a barraca, e deixou os rapazes em apuros. Completamente ensopados, eles não tiveram jeito senão levantar acampamento e seguir adiante, procurar um abrigo.

Já estava amanhecendo quando alcançaram a venda do Senhor Alderico Bandeira, onde eles, encharcados até os ossos, como anotou Lydio, acabaram por pedir guarida.

O senhor Alderico era um prospero comerciante da região. Compadecido, mandou os rapazes entrarem e trocarem as roupas num cômodo da sua casa. No salão, ao lado do armazém, havia uma grande acumulação de sacos vazios, apetrechos de couro e mais cestos e balaios para carregar cereais. Tudo na maior desordem, segundo Lydio. Eram materiais para carregar cereais, principalmente milho. Aqui nesta zona agrícola a tração animal ainda era muito importante para o transporte de excedentes.

Ali, havia uma criação de suínos que deixou os rapazes de queixos caídos. Eram porcos da raça Duroc, faixa branca e polanchin. Segundo Lydio, alguns daqueles porcos chegavam a pesar mais de 10 arrobas, ou 140 quilos!

A chuva continuava; o senhor Alderico os convidou para tomar café com pão feito em casa. Também tinha marmelada, o que deixou os rapazes mais satisfeitos. Eles estavam no povoado de Capivari. Segundo o diário de Lydio, esta povoação não existe mais – está sob a represa do Capivari, construída nas décadas de 60-70.

Na venda, continuava a chover. Abrigando-se da chuva como eles, estava um senhor meio idoso, que, quando andava, coxeava de uma perna. Estava com um ferimento muito feio e antigo. Só tinha um paninho fedido enrolado na perna. Os rapazes não perderam tempo, e trocaram a bandagem do ferimento do senhor, com cuidado, removeram o pano grosseiro e fizeram uma lavagem com água oxigenada. Depois, drenaram todo o pus e aplicaram pomada Minâncora sobre a ferida. A ferida foi envolvida com atadura de gaze e esparadrapo. O senhor ficou muito aliviado e agradeceu muito a boa vontade dos escoteiros.

Às 11:30, seu Alderico ofereceu para eles um baita almoço. Tinha feijão com arroz, galinha assada recheada, polenta frita, batatinha. Um verdadeiro banquete. O Chefe Beto fez menção de pagar pelo almoço, mas seu Alderico se recusou a receber:

“Para vocês é de graça”. A chuva já estava amainando e eles tinham que seguir viagem.

9 – UM CRIME HORRENDO

Uma vista do alto da Serra da Bocaina, na atual Bocaiuva do Sul, PR; os escoteiros a atravessaram em 21 de dezembro de 1941.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 21 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) ouvem historias de um crime horrenda ocorrido na vila de São Pedro.)

Os rapazes se puseram em marcha, depois de deixar a venda de seu Alderico Bandeira, na pequena vila de Capivari. Tinham que retomar a marcha, para recuperar o tempo que chuva torrencial da madrugada havia lhes tomado.

Às três e meia da tarde, chegaram ao pequeno povoado de Praia Grande. Pediram um café reforçado numa pequena venda de secos e molhados. Para atendê-los, uma moça loira muito bonita, que deixou a todos embasbacados. Mas eles não tinham tempo para isso. Tinham que andar.

Neste fim de tarde, atravessaram as grandes florestas da bacia do Capivari-Pardo, dois grandes afluentes do rio Ribeira. Desde o dia anterior eles estavam nesta grande bacia. O ar do Planalto era mais fresco que o do Litoral, e as florestas, ao contrário da espessa Mata Atlântica, que percorreram desde Antonina até a Serra dos Órgãos, agora era dominado pela mata “suja” com muitas araucárias.

Num determinado trecho da floresta, os rapazes passaram por uma araucária muito grande à beira da estrada, que se destacava das demais. Parecia o Cristo Redentor de braços abertos, conforme anotou Lídio em seu diário.

Logo depois de atravessarem no Rio Pardo numa ponte improvisada, eles escutaram um canto de galo. “Por aqui há alguma casa”, Chefe Beto comemorou. Dito e feito. Logo depois eles chegaram a uma pequena clareira escondida dentro de um pinheiral mais espesso. Havia muitas casas naquela clareira, além de uma grande serraria. Os rapazes logo prestaram atenção ao grande caminhão carregado de toras. Aos lados, muitas pilhas de tabuas estivadas.

Os habitantes da povoação receberam bem os escoteiros. O gerente da serraria os alojou numa casa desocupada. Entretanto, os rapazes não tiveram descanso. Eis que a rapaziada do local os intimou para um futebol, num gramado ali perto. Apesar de cansados, toparam o desafio. O jogo de futebol suíço foi renhido, e no final os visitantes perderam para o time da casa pelo placar de 10 a 8. Nada mau para quem tinha andado tudo que eles andaram desde cedo.

Mas tinha mais. Manduca preparou uma janta. Especialidade: farofa de linguiça de porco, arroz, e um café reforçado com broa de milho. Logo depois, os rapazes da vila se juntaram a eles, e começou uma grande batucada. Lídio tocava uma gaitinha de boca, Canário era, claro, o cantor, e Manduca fazia a marcação com uma colher, repicando na outra. Milton se juntou aos sambistas e ficou acompanhando com um chocalho improvisado, numa latinha cheia de areia e grãos de arroz. Dos rapazes da vila, um tocava cavaquinho e outro, o pandeiro.

Essa noite, felizes com o futebol e o samba, os rapazes tiveram sono de pedra. Cada um arrumou-se como pode.

Quando acordaram, ao raiar do dia, trataram de cair na estrada. Lavaram-se na beira do Corguinho que banhava a vila, arrumaram as mochilas e encheram os cantis de água. As 8:00 iniciaram novamente a caminhada rumo norte.

A paisagem era a mesma, mas agora teriam mais uma serra para atravessar, a Serra da Bocaina. Numa altura de 1400 metros sobre o nível do mar, esta serra era, entretanto, mais fácil de ser atravessada. Para isso, tinham que tomar a estrada no rumo da vila de São Pedro.

Eram 13 horas da tarde quando pararam à beira da estrada, extenuados, para fazer uma ligeira refeição. Àquela altura, segundo Lídio, cada um deles já tinha perdido uns três quilos de peso. Segundo eles brincavam, a única coisa que tinha inchado eram as pernas, por causa das picadas de mosquitos.

As pessoas que encontravam pelo caminho se espantavam com a estranha patrulha que encontravam no meio do mato. Quando sabiam da direção e do motivo da marcha dos rapazes, todos se espantavam: “Que gosto”, diziam alguns. “Que tolice!”, diziam outros. O fato é que a presença deles ali naquele meio era bastante estranha para a população local. Não poucos olhavam para eles com desconfiança.

Depois de atravessarem o rio Tucum, os rapazes chegaram afinal à pequena vila de São Pedro; aqui estavam próximos da estrada Curitiba-Adrianópolis, ou Curitiba-São Paulo. A vila de São Pedro, no entanto, era menos que uma vila. Era tão somente um amontoado de casas. Os rapazes tinham a intenção de acampar ali, mas um senhor lhes ofereceu uma casa abandonada para se abrigarem da noite. A casa era velha, mas estava bem conservada. Com a ajuda de uma vassoura, os rapazes deram uma boa faxinada na casa, que ficou apresentável para o pouso. Dali a pouco, Manduca estava tirando para a turma um delicioso café tropeiro.

No entanto, estavam faltando pães e biscoitos. Lídio foi encarregado de procurar nas imediações. Ele procurou um boteco ou venda, mas acabou não encontrando nada. No caminho de volta, chamou sua atenção um pequeno cercado com quatro cruzes. Eram recentes. Viu também uma grande mancha de carvão ao redor, parecendo ser um local que foi incendiado.

Lídio perguntou a senhor vizinho este terreno. O vizinho contou a Lídio que aquela cena macabra era o que restava de um dos maiores crimes que havia acontecido ali no município. Ali havia uma pequena casa comercial. No cercado estavam enterrados o casal de comerciantes donos da venda, seu filho pequeno de quatro meses de idade e um empregado da casa. Eles haviam sido mortos por outro vizinho, compadre do casal e padrinho da criança. Havia sido um latrocínio puro e simples, somente com o interesse do roubo.

O casal seu filho e o empregado foram mortos, seus corpos empilhados e queimados com querosene.

Lídio voltou rapidamente para a casa abandonada onde estavam seus companheiros. Quando contou a história, todos ficaram apreensivos. Afinal, era, como eles tinham notado, um povoado onde todos andavam armados. As armas estavam à vista, sem o menor cuidado de escondê-las.

Assim, desistiram de procurar mais mistura e jantaram café puro. Trancaram bem a casa e traçaram planos para o dia seguinte, onde iriam sair dali bem cedinho, deixando aquela gente desconfiada para trás.

A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 2ª PARTE — CAPÍTULOS 4 A 6

Damos aqui a continuação da grande aventura de Escoteiros da cidade de Antonina, PR. Role para baixo para ler a primeira parte!

Boa leitura!

4 – O DIA DA PARTIDA

Os Escoteiros da Tropa Valle Porto, de Antonina, Voltando de Reunião
Escoteira em Joinville (1941).

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 16 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão iniciando sua longa jornada.)

O dia 16 de dezembro de 1941 amanheceu em festa em Antonina.

Logo às 5 horas da manhã, a cidade explodiu numa alvorada promovida pelas bandas Marcial e Musical da Associação dos escoteiros antoninenses. Além das duas bandas promovendo a balburdia pela rua, havia um intenso foguetório. A cidade acordou com muito barulho ruído e, claro, música.

Em teoria, eram as comemorações do da do Reservista, uma daquelas datas que só as Ditaduras como a do Estado novo poderiam comemorar. Mas, na prática, a festa era a despedida da cidade aos rapazes, todos já devidamente vestidos com seu uniforme de gala: camisa de mangas compridas de cor caqui, calça comprida azul, lenço vermelho no pescoço, meias pretas longas e sapatos pretos.

A cidade se reuniu às 9:00 horas da manhã no velho coreto da Praça Coronel Macedo para hastear a bandeira nacional. Logo depois, a cidade se juntou para um grande desfile, aberto pelos escoteiros da tropa Valle Porto. Também desfilou um pelotão de revistas do tiro de guerra. Para encerrar, houve o desfile de um pelotão de ciclistas do Sindicato dos Operários Estivadores de Antonina. Lydio anotou em seu diário que este brioso pelotão operário era comandado pelo seu padrasto, o Zé Maceió.

Havia muito comentário pelas ruas sobre a missão dos rapazes. Muitos falavam da loucura de soltar 4 meninos e um rapazote numa aventura daquele porte. Algumas destas pessoas chegaram a apostar que alguém ia desistir no meio da viagem. Seriam eles picados por alguma cobra? Seriam devorados por alguns dos animais ferozes que ocupavam a Serra do Mar? As suposições eram muitas. Lydio nos conta em seu diário que houve pessoas que os interpelaram para que desistissem daquela loucura. Mas era tarde demais. Segundo nos conta Lydio, os rapazes apenas sorriam.

Às 13 horas, todos estavam reunidos na sede do grupo escoteiro, na Caserna, como era chamada. Lá, foi feita uma checagem do material que levariam. Nos embornais, sob responsabilidade de Lydio, iam suprimentos, como biscoitos e latas de conserva. Nestas latas, havia sardinha, goiabadas, frutas em calda e salsicha. No outro embornal iam roupas, toalhas e uma bandeira nacional, além de itens como sabonetes, sabão, pasta dental, escovas, velas fósforos, talheres e lápis. Neste embornal também ia o livro diário da Patrulha.

A despedida do grupo foi feita ali mesmo, na caserna, repleta de autoridades. Ali estavam o juiz de direito, o promotor, autoridades portuárias e os jornalistas Alfredo Jacob e João da Cruz Leite. Segundo Lydio, havia muito mais autoridades, mas ele diz não se lembrar. Acreditamos.

Da Caserna, os rapazes seguiram pelas principais ruas da cidade, sempre acompanhados de uma pequena multidão. No Portão da Graciosa, que ficava em frente ao Hospital, foi feita uma pequena despedida. As Bandeirantes cantaram para seus colegas o Hino “Companheiros, marcharemos Unidos”. Defronte ao Matadouro Municipal, houve outra despedida. Segundo Lydio, os olhos dos seus pais neste local ficaram brilhando de emoção. Alguns não conseguiam esconder as lágrimas. Os rapazes não resistiram e choraram também.

Neste ponto, o Chefe Picanço deu aos meninos uma estampa de Nossa Senhora do Pilar, a Padroeira da cidade. Era a largada oficial. Os rapazes continuaram, até que, na primeira curva da Estrada da Graciosa, acenaram um último adeus.

A aventura estava, enfim, começando.

5 – NO CAMINHO DO CURITIBAIVA

Antigo Portal da cidade: por aqui passaram os escoteiros no primeiro
dia de sua marcha.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 17 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão iniciando a marcha pela perigosa estrada do Curitibaiva.)

No primeiro dia, os rapazes caminharam somente 4 quilômetros. Mas, também, o dia havia sido cheio, com alvoradas, foguetórios, desfiles, despedidas. As 17:40, segundo o relógio de pulso de Lydio, eles montaram acampamento ainda na Estrada da Graciosa, numa Olaria de propriedade dos irmãos Vieira.

Três colegas foram de bicicleta passar a noite com eles: eram Lourival Silva, que era também, como Lydio, remanescente do Raid Antonina-Curitiba, mais Alceu Nascimento e Walter Vieira. Nesta primeira noite, o lanche dos rapazes e seus visitantes foi um café com leite condensado e bolachas de mel.

Durante a noite, foram feitos turnos de guarda de 2 horas cada um. No meio da noite, durante a guarda de Manduca, um burrico que estava por ali deu um relincho. Manduca deve ter se assustado, e o burrico mais ainda. Para desespero de Manduca, o pobre animal acabou dentro da Olaria, derrubando tijolos por todos os cantos. Com o barulho, todos se levantaram e ajudaram Manduca a tirar de lá de dentro o burrico, antes que o estrago ficasse maior. Mais umas risadas, e todos voltaram a pegar no sono.

De manhã cedo, os rapazes se despediram dos três colegas e tomaram a Estrada do Curitibaiba. Era muito barrenta, cheia de charcos, e o calor estava grande. Às 11 horas, eles já estavam no Morro Grande, onde fizeram um pouso na casa do senhor Bernardo Moreira. Ali, na fresca, tomaram um bom chimarrão e almoçaram uma farofa de frango que Milton havia trazido.

Acabaram por visitar o engenho de aguardente de seu Bernardo, e se impressionaram com a engenhosidade da roda d’água, que movimentava todos os maquinários do engenho. Em vez de aguardente, os rapazes aproveitaram a garapa que um empregado do senhor Moreira fez exclusivamente para eles.

Pouco depois, de volta a estrada, eles já estavam no rio do Meio. Depois de atravessar o rio, os rapazes deram uma descansada. Chefe Beto, com seu uniforme que, segundo Lydio, lhe dava o ar de um oficial inglês, deitou-se na grama e pôs-se a fumar seu cachimbo. Pra espantar os mosquitos, segundo ele. Lydio observou que as baforadas que ele dava erguiam-se rápido no calor da tarde.

Às 14:30 chegaram na venda do senhor Mokito Yassumoto, no Cacatu. Lá, compraram algumas coisas e seguiram adiante. Manduca e Canário andavam a maior parte do tempo descalços pelo caminho, sem machucar os pés. De todos, quem mais tinha esta capacidade era Canário, que podia caminhar a maior parte do tempo assim, descalço. Já os outros, calçavam “sapatos-tênis”, mais confortáveis.

Mais alguns quilômetros adiante, os rapazes passaram pela fábrica de papelão e pasta mecânica do Dr. Ítalo Pellizi. O sol estava tão quente que eles ficaram um pouco à sombra do portão da fábrica. Ali, encontraram um caboclo, que ensinou aos rapazes (tintim por tintim, como anotou Lydio) sobre o caminho que os levaria para o outro lado da Serra.

Quando chegaram no Rio cachoeira, Lydio sugeriu que eles o atravessassem a nado. Milton, mais ponderado, fez ver aos companheiros que ali tinha muita correnteza. O rio, segundo ele, era muito profundo por ali. Ficaram um tempo esperando um canoeiro que os atravessasse. Quando, depois de algum tempo, o canoeiro chegou e procedeu a travessia, os rapazes ficaram muito felizes com a pequena aventura náutica. Agradeceram ao canoeiro e se puseram a caminhar. Às 17 horas, chegaram na fazenda Santa Olympia, de propriedade do Senhor Ymaguti.

Nesta fazenda, tinha um posto telegráfico. Chefe Beto comunicou a chegada e informou que estava tudo bem com eles. O senhor Ymaguti e sua esposa receberam os rapazes, alojaram-nos num cômodo de sua própria casa e lhes ofereceram um jantar.

Nesta noite, com o corpo todo picado de mosquitos e com muitas dores lombares e pés inchados pelo peso que carregavam, os rapazes dormiram um sono dos bons.

6 – “É A ONÇA!”

A Serra dos Orgãos, que foi atravessada pelos escoteiros
em 1941, vista do bairro do Batel.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 18 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão ainda no município de Antonina, no sopé da Serra dos Órgãos. Como eles vão cruzar estas serranias cheias de mato e animais peçonhentos?)

Quando, na manhã seguinte, os rapazes acordaram na Fazenda Olímpia, fizeram muitas massagens para aliviar os membros doloridos. A aventura estava só começando…

Chefe Beto conversou com o encarregado da fazenda na hora do café. Queria saber qual o melhor caminho tomar. Eles tinham a ideia de que era mais vantagem ir pelo caminho do telégrafo até São Paulo. O caminho ia por Iguape, passando a Serra Negra no Paraná. “Não vão, porque é perigoso”, disse, taxativo, o encarregado. Segundo ele, o caminho do telégrafo é marcado por pântanos perigosos e rios traiçoeiros. Sugeriu o caminho por Capela da Ribeira, mais tranquilo.

Entre aliviados e assustados, os rapazes concordaram com o encarregado, e se prepararam para subir a Serra dos Órgãos, em direção à Capela da Ribeira. Após o café, despediram-se do senhor Ymaguti. No novo caminho, cruzaram novamente o rio Cachoeira, em direção a vila de Cachoeira de Cima.

Chegaram em Cachoeira de Cima às 10:30, onde pararam para tomar água e pedir informações. Atravessaram novamente o rio Cachoeira, mais acima, rumo à Fazenda Esperança, do turco Said. Lá, segundo Lydio, eles foram recebidos fidalgamente. O turco lhes ofereceu galinha assada, arroz e farofa. De sobremesa, garapa.

Da fazenda Esperança, os rapazes começaram a trilhar pela velha estrada para São Paulo. Segundo Lydio, era estrada lá dos mil e oitocentos… Na verdade era uma trilha, que depois quase desaparecia na mata. Depois de muito caminhar, chegaram ao pequeno povoado de Cotia, ao pé da Serra dos Órgãos. O povoado estava abandonado.

Os rapazes se acomodaram numa pequena fabriqueta de farinha. Era uma tapera e parecia estar abandonada há meses. Para maior segurança, reforçaram as paredes com uma corda, com medo que a tapera pudesse desabar em cima deles.

Milton e Manduca acharam, próximo da tapera, como era de se esperar, uma pequena roça de mandioca. Lá, se abasteceram do quanto puderam. Na tapera, os rapazes começaram o fogo num fogão rústico feito de pedras.

Ali era um local muito ermo e distante. Como estivessem no sopé da Serra dos Órgãos, a noite caía muito rapidamente. Às 18 horas, a escuridão já era total. E isto em pleno mês de dezembro!

Com medo das onças, os rapazes resolveram fazer uma fogueira, com turnos de guarda de 2 horas. No turno de guarda de Canário, ele acordou todos aos berros: “Ei, negada, acordem rápido! É a onça! É a onça!”. Canário tremia e apontava o farolete para uma moita. “Atire, Chefe Beto, atire!”.

Não se soube se era ou não era onça. mas, depois disso, quem dormia? O sono acabou de vez. Os rapazes foram tentando dormir. Ao longe, chegaram a ouvir os turros de algum animal bem longe, na Serra. Seria ela?

No turno de guarda de Lydio, alta madrugada, todos já tinham voltado a dormir. Na escuridão quase total, ele pensou em ter ouvido um choro de bebê. Apavorado, Lydio tremia e se arrepiava, quando percebeu uma grande coruja pousada perto dele. O pio parecia um grito de criança, e Lydio gelou até a espinha. A coruja olhava pra ele com seus grandes olhos bem abertos. Mas era só uma coruja. Com muito custo, Lydio a espantou para longe. Que noite dos infernos!

No meio de tanto susto, foi com alívio que ele percebeu os primeiros raios do dia.