Voltamos aqui a reproduzir o excelente livro “Tradições Escoteiras — O Parque de Gilwell e a Insígnia de Madeira”, de Moacir Starosta, membro atuante da Patrulha Jaguatirica.
Recomendamos enfaticamente a leitura do livro inteiro, onde estão presentes todas as referências de suas pesquisas. No presente instante, apresentaremos mais um capítulo.
Para escrever um pouco sobre esta tradição zulu, relatarei em breves palavras um pouco sobre a origem do povo zulu que mantém, de certa forma esta bela tradição até os dias atuais.
O povo zulu, “povo do céu” em dialeto de tribos africanas, remonta a fundação do reino do Congo em 1240 de nossa era atual. Os povos africanos realizavam constantes migrações em busca de novas terras, motivados pelas constantes disputas de seus herdeiros por novas e mais amplas extensões de terra.
Malandela KaLuzumana, um dos herdeiros diretos de Mnguni, desposou Nozinja de Gabeni, uma das herdeiras do reino do Congo (seu sobrenome teria mudado para Zungu), sendo que Nozinja teria tido quatro filhos: Qwabe, Gazu, Mgcineka e Zulu.

Quando Malandela morreu seu reino foi disputado pelos filhos Zulu e Qwabe. Cada um dos dois seguiu rumos diferentes, sendo que, Zulu permaneceu nas terras de seu pai. Assim, gerações originárias da mesma linhagem de sangue se sucederam e, por diversas ocasiões, se dividiram, quer por disputas entre seus sucessores, quer pelo não nascimento de homens em algumas gerações. Até que, em 1818, ocorreu um fato que marcou a história do povo Zulu até os dias de hoje.
Ocorreu uma época de conflitos chamada Mfecane. Diversos conflitos ocorreram até a unificação dos povos que haviam se mudado e retornaram a fazer parte desta grande nação que iria se formar, quer por conquista de diversos outros clãs, ou por sua união, sendo chamados então de Zulus.
Dentre as muitas tradições do povo zulu está o uso de colares de contas de madeira de diversas formas e cores, com seus mais diversos significados.
Aqui, gostaria de fazer um comentário muito pertinente.
A afirmação de que existiu somente um ou dois colares como os utilizados pelo rei Dinizulu não se constituí em uma verdade. De certa forma, talvez seja uma falha nas traduções de alguns documentos para a língua portuguesa, como veremos a seguir nos fatos históricos. A ideia de que se tem, é de que existiram somente um ou dois colares de contas de madeira utilizados por Dinizulu, mas existiram e existem muitos colares de contas de madeiras idênticas às utilizadas por Dinizulu e por outros líderes zulus.
Existem relatos históricos que o rei Dinizulu presenteou algumas pessoas com seus colares. Por exemplo, uma pessoa muito importante em sua vida, pois o ajudou quando de seu julgamento por traição à coroa britânica e por assassinato, foi a Sra. Harriet Colenso.

Até os dias de hoje, modelos em escala menor são utilizadas por místicos e teólogos na região originária dos fatos, províncias de KwaZulu, estado de Natal, na África do Sul, terra que os descendentes do povo zulu habitam.
Muitos escoteiros estão familiarizados com as contas da Insígnia de Madeira e, muitos sabem que B-P teria capturado o colar original do Rei Dinizulu como espólio de guerra.
Os africanos gostam muito de vestir adornos, até os dias de hoje, bem como, muitos de seus pretensos colonizadores ingleses, por exemplo, se utilizavam desta tradição ou adorno, mas o Rei não utilizava este colar como tradição ou adorno.
Culturalmente, as contas são chamadas “Iziqu” pelos Zulus, conta de madeira. No plural, “Izique”, contas de madeira, sendo os colares feitos de contas de madeira intercaladas presenteados aos guerreiros pelo rei.
Quanto à sua etimologia, o significado é de distinção de honra, diploma ou vitória, também tendo o significado “do colar zulu da coragem”. E são, ainda nos dias de hoje, usualmente enfiadas em um pedaço de corda feita de fibras vegetais ou em uma correia de couro sendo, chamado de “mnyezane”.
Existem alguns colares em museus. Um exemplo, é o colar que se encontra no museu de Natal, África do Sul. Os colares reais eram chamados de “Izazonco”.


As contas são utilizadas ao redor de todo o corpo. De acordo com suas funções especiais, seria uma espécie de “medicina profilática” contra o mau olhado, proteção nas batalhas, contra a morte e em cerimônias de purificação.
Em casos de bebês, “Iziqu” é usualmente utilizada em torno da cintura e do pescoço. Quando utilizada em torno da cintura, eles acreditam que o corpo do bebê será robusto e que ele ou ela virão a crescer com um corpo forte e sadio. Quando utilizadas em torno do pescoço ou pulso, a criança escapará de ter qualquer epidemia ou doenças infecciosas, o que é predominante no país ou em qualquer região onde o povo seja nômade.
No caso de adultos, quando as contas são utilizadas em torno de seus pulsos, o possuidor deseja que os músculos de seus braços se tornem fortalecidos ou, se ele tiver dor em seus braços, a dor diminuirá. Uma tribo perto de Biera, na África Portuguesa Oriental, chamada de Acikunda, tinha uma grande crença nas contas de madeira. Eles a utilizavam ao redor dos pulsos, conjuntamente com outras contas brancas. Eles diziam que se caminhassem pelas florestas do país e estivessem em perigo de vida por parte de animais selvagens, eles sacudiam seus colares e um leão manso viria e os escoltaria em sua caminhada em segurança.
Alguns africanos vestem suas contas quando devem comparecer perante um tribunal, esperando vencer suas causas por causa disto. O próprio Dinizulu os utilizava. Em um de seus julgamentos, ele os teria utilizado como demonstramos em fotos neste livro.
Em Abril de 1947, na revista Jamboree, G. F. McIntyre, da Rodésia Meridional diria:
“Eu começei a acreditar que o Rei Dinizulu utilizava seu colar por uma razão muito especial.
Eu estava conversando num dia destes, com um descendente da Casa Real de Kumalo, sobre Lobengula que seria um destes membros.
Lobengula seria Rei dos Matabeles e tinha relação com Dinizulu.
Eu também aprendi que ele utilizava um colar de contas semelhantes às da Insígnia de Madeira, então seria seguro deduzir que Dinizulu utilizava seu colar com a mesma razão do que o Rei Lobengula, ou seja, como uma espécie de coroa real.
O colar seria chamado de “Isazonco do Rei”, e somente o Rei teria permissão para utilizá-lo. Então, as pessoas sabiam que ele seria o Rei e, o respeitavam como tal e, quando ele visitasse outros reinos, ele também seria reconhecido como um grande Rei e temido como tal.
Então, o colar representaria seu poder e seria o emblema de sua posição social.
Também o colar seria reconhecido como possuidor de um grande poder medicinal — daria força, autoridade e sabedoria a quem o utilizasse, sendo uma grande honra a quem o possuísse e, crença e devoção ao seu conselho.”
Então, ao vermos as contas da Insígnia de Madeira, ou melhor, as contas do Rei Dinizulu, não é incorreto escrever — elas ainda adornam líderes de uma certa forma.

Isandlwana é uma planície isolada no estado de KwaZulu-Natal, na África do Sul, onde ocorreu uma batalha entre os britânicos e guerreiros zulus em janeiro de 1879, como parte da grande guerra Anglo-Zulu. Em lembrança a este evento libertário do povo zulu da subjugação e segregacionismo durante séculos, existe um monumento onde são utilizados imitações das contas de madeiras utilizadas pelo povo zulu em seus colares místicos, chamados Mnyezane.


