A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA

Quando o veleiro Lamia, agora pertencente aos Escoteiros do Brasil, aportou no cais da Capitania dos Portos de Vitória, onde fica a base do 11º ESMar Ilha de Vitória, o escriba da Patrulha Jaguatirica solicitou uma cópia do relatório da grande aventura que conduziu a embarcação de Natal, RN, a Paranaguá, PR.

Os Lobos do Mar presentes como tripulação fixa então pediram que nosso blog divulgasse mais a grande aventura que escoteiros paranaenses fizeram na década de 1940. Uma aventura empolgante que há de enobrecer mais ainda o nosso espaço, onde já temos escritos de Connan Doyle, Attílio Vivácqua, Ernesto Guimarães, do nosso querido Moacir Starosta e do saudoso Moacyr Mallemont.

Portanto, eis aqui um presente dos Escoteiros do Mar Paranaenses para deleite dos nossos distintos leitores. Sairá aos poucos, por ser um livro extenso. Porém, encontrando essa obra publicada, não deixem de adquiri-la para as suas bibliotecas. Um volume que vale tanto ouro como a aventura aqui relatada.

Boa leitura!


A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA

Uma jornada de 1250 km em 45 dias

por Jefferson Picanço

Antonina – PR

2020

2015-2021

A História continua….

Este livro é um reprodução integral da história, tal como contada por Jefferson Picanço e Publicada em seu blog Urublues. Para acessar, vá ao site http://urublues1.blogspot.com/. Não confundir com o site da banda capixaba de mesmo nome!

A Marcha dos Escoteiros

Dez/1941, Fev/1942

Grupo Escoteiro Valle Porto

Antonina-PR

Jefferson Picanço

1 – INICIA-SE A NARRATIVA

O escoteiro antoninense Milton Horibe entregando a Mensagem a Getúlio Vargas em Petrópolis, fevereiro de 1942; uma grande epopeia tinha ali seu ponto máximo.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. Esta é a primeira de uma série de postagens até o dia 5 de março, onde será contado o dia-a-dia da aventura.)

Poucas histórias sobre Antonina são tão cheias de ardor e espírito épico que a história da Marcha dos Escoteiros da Patrulha Touro, em 1941-42, a pé, de Antonina até o Rio de Janeiro, perfazendo cerca de 1250 km. A aventura de quase três meses dos quatro rapazes viajando pelo Brasil para entregar uma carta ao Ditador Getúlio Vargas, em pleno Estado Novo, é, antes de mais nada, uma boa história.

Dela, já se falou muito. Histórias correm, daqui pra lá de lá pra ali, sobre estas aventuras. Entrevistas, cerimônias comemorativas, textos em jornais e revistas (e mesmo dezenas de textos aqui neste blog modesto, mas honesto), assim como documentários mais ou menos teatralizados feitos para a televisão foram realizados.

O texto dos diários do escoteiro Lídio Cabreira, digitalizado há mais de duas décadas, é a fonte principal. O que se pretende com esta série de postagens é fazer uma cobertura, a mais completa possível, de toda a aventura, desde seus primeiros momentos em dezembro de 1941, até à volta triunfal dos rapazes para casa, em março de 1942.

Além de contar a história dos diários de Lídio, que são o fio condutor desta narrativa, foram acrescentados outros dados, como informações das cidades em que os escoteiros passaram, muitas delas visitadas em anos recentes pelo autor destas linhas. Foram também realizadas pesquisas em jornais da época, principalmente os jornais do Rio e de São Paulo. Nelas, a aventura dos meninos está lá, ora como curiosidade, ora como espanto.

Como todo relato, este é um relato incompleto. Faltam os originais do diário de Lídio, os quais poderiam trazer mais informações sobre a aventura. Faltam também mais documentação sobre os contatos entre a tropa Valle Porto, em Antonina, e a União dos Escoteiros do Brasil, no Rio de Janeiro. Faltam mesmo documentação da própria UEB, que nunca reconheceu de maneira categórica a marcha dos escoteiros antoninenses como uma das maiores façanhas do escotismo brasileiro.

A cidade de Antonina, nossa querida Deitada-À-Beira-Do-Mar, sempre soube reconhecer os feitos dos rapazes. Muitas homenagens já foram feitas. Milton Horibe, o escoteiro de 1ª classe, e que foi o responsável pelo destino de entregar a carta a Getúlio Vargas, é nome de rua em sua terra.

Uma história pode ser contada de vários jeitos. É o que costumamos chamar, neste nosso tempo tão difícil, de narrativa. Este é um convite. Convido a todos meus amigos e leitores deste blog a seguir esta história, que iremos contar aqui, ao longo dos próximos meses.

2 – PEGUEI UM ITA NO NORTE

O industrial Henrique Lage (1881-1941) e sua esposa Gabrielle Besanzoni (1888-1962). O drama pessoal do casal influenciou indiretamente a marcha dos escoteiros.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. Quais são as motivações da marcha dos escoteiros?)

Qual foi a motivação dos jovens escoteiros ao fazer esta tão grande e arriscada viagem?

O motivo era econômico, e tinha a ver com a sobrevivência do porto e da própria cidade. Na carta que estavam levando à Getúlio Vargas, os escoteiros pediam que fosse reaberto em Antonina o escritório da Companhia Costeira e do Loide Brasileiro, que haviam sido fechadas poucos meses antes. Estas eram importantes companhias de navegação que haviam pertencido ao industrial Henrique Lage (1881 – 1941).

Filho de um importante industrial do ramo de carvão e dono de estaleiros, Henrique Lage estudou engenharia Naval nos Estados Unidos. Era um empresário extremamente dinâmico, e chegou a construir um verdadeiro império, envolvendo siderúrgicas, estaleiros e companhias de navegação. Espreitando a oportunidade, Henrique Lage aproveitou-se da onda de substituição de importações no Brasil depois da 1ª Guerra Mundial e fez fortuna vendendo navios em seu estaleiro na Ilha do Vianna, em Niterói.

Henrique Lage foi um capitão de indústria nacionalista e preocupado com o desenvolvimento nacional. Orgulhava-se de fabricar navios e mesmo aviões aqui mesmo no Brasil. Segundo se dizia, com um mínimo de peças importadas. Também foi o criador da primeira refinaria de sal brasileira, que fabricava a marca de Sal Ita, que existe até hoje.

Henrique Lage herdou do pai a Companhia Costeira de Navegação. Era um resquício da antiga companhia Norton & Megaw, que fora nacionalizada nos primeiros tempos da República. Com o passar o tempo, a Costeira, junto com a companhia Loide brasileiro, foram as principais companhias de navegação do país.

A Costeira tinha como características os navios que iniciavam seu nome com Ita, como Itagiba, Itaquera e Itassuci. Tamanha era a popularidade da Costeira, que Ita passou a significar para a população o mesmo que navio. Não por acaso, um dos grandes sucessos do início de carreira de Dorival Caymmi foi “peguei um Ita no Norte”.

No entanto, depois de muito sucesso nos anos 20, nos anos 30 o império Henrique Lage começou a passar por dificuldades. A navegação de cabotagem passava por serias dificuldades, sentindo a competição do trem e do automóvel. Dependente de subsídios governamentais, as duas companhias estavam com sérios problemas financeiros. Em 1941, a comissão da Marinha Mercante aperta o cerco e suspende as subvenções pagas às companhias de navegação.

Henrique Lage morre em junho de 1941. O governo Vargas começa a estender seus tentáculos para a companha, que é reestruturada. A viúva de Henrique Lage, a cantora lírica Italiana Gabriella Besanzoni, seria destituída logo a seguir. Para afastá-la da direção, o governo alega que a empresa só poderia ser dirigida por brasileiros. No ano seguinte, com a declaração de guerra às potencias do Eixo, as empresas seriam nacionalizadas.

A Cidade de Antonina era muito dependente da navegação costeira, ou seja, da navegação de cabotagem. Com a reestruturação da companhia, os navios do Loide e da Costeira não chegariam mais na cidade, interrompendo os fluxos de comercio que a cidade mantinha. Alguma resposta tinha que vir. A resposta veio da Associação Comercial? Da Prefeitura?

A solução, ainda que desesperada, veio do grupo de escoteiros.

3 – SURGE A PATRULHA TOURO

Anúncio no jornal O Dia, de Curitiba, informando o percurso dos “Itas” da Costeira, indo e vindo de Norte a Sul.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. Beto, Milton, Lydio, Antônio “Canário” e Manoel “Manduca” são os escolhidos para compor a Patrulha Touro, que ira realizar a marcha até o Rio de Janeiro.)

Antonina era uma pequena cidade marítima, no estreito litoral do Paraná. Seu pequeno porto, porém, era muito bem situado. Localizado no fundo da baia de Paranaguá, estava no início da estrada da Graciosa, então o melhor caminho para o planalto. Enquanto a distância de Paranaguá a Curitiba era de 120 km, passando por rios e Serras altas, o caminho da Graciosa, além de bonito, era o que oferecia o melhor custo-benefício para os carroceiros e, depois, para os pequenos veículos a motor. O binômio porto mais próximo e a estrada da Graciosa constituía uma vantagem sensível para o comercio da Deitada-À-Beira-Do-Mar.

O porto de Paranaguá, em uma das principais cidades do estado, também era um adversário terrível. Perdendo na questão geográfica, combateu com o estabelecimento de um novo modal de transporte como diferencial. Este diferencial seria a ligação do porto com a ferrovia. Paranaguá assumiu esta vantagem no final do século XIX, sendo o caminho final da linha férrea, inaugurada em 1885.

Antonina, logo a seguir, emparelhava a disputa com o ramal ferroviário até a cidade de Morretes. Os dois portos, associados e concorrentes, eram pontos importantes do transporte marítimo de cabotagem do Rio de Janeiro para o sul do Brasil e mesmo para Uruguai e Argentina.

Entretanto, a crescente malha ferroviária, embora muitas vezes parceira, também punha em xeque o transporte marítimo, principalmente no sul. A princípio, o trilho era um associado do transporte de cabotagem, fazendo ligações e encurtando distâncias de maneira cooperativa. No entanto, com a chegada do automóvel, ameaçando a ferrovia, a cabotagem começou a rapidamente perder importância.

A década de 1930 em Antonina foi um período de muito aperto econômico. Os velhos armazéns que antes controlavam o comércio da cidade com Curitiba e com os portos mais próximos, como Santos e Florianópolis, mudaram-se em sua maior parte para Paranaguá e Curitiba. O pequeno comércio local, que não conseguiu se mudar da cidade e era dependente do sistema de cabotagem, começou a diminuir. Com a interrupção das atracagens da Costeira e do Loide na cidade, a situação começou a ficar desesperadora para estes comerciantes. Da mesma forma, os Sindicatos de Estivadores e os que trabalhavam nas firmas embarcadoras foram ainda mais duramente afetados.

Não se sabe de onde veio a ideia de mandar os rapazes para o Rio. Mas, desde o início, a ideia pareceu boa. Estávamos vivendo no regime do Estado Novo, a Ditadura Varguista. O escotismo era um dos pilares de Vargas, assegurando o surgimento de uma juventude patriota e adestrada, fortemente associada ao regime. Uma vez que o destino das companhias de cabotagem estava em suas mãos, por que não quatro meninos a convencê-los?

O Grupo Escoteiro Valle Porto havia sido fundado havia três anos, em 1938. Era um grupo jovem, mas bastante organizado. Desde o início, fortemente associado aos encontros escoteiros da região, possuía uma tropa bem treinada. Muitos destes escoteiros participaram nestes primeiros anos de diversos encontros de escoteiros em Joinville, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. Era um grupo forte e motivado.

Caminhadas também eram o forte do Grupo Escoteiro Valle Porto. Em maio de 1940, os escoteiros Rubens Nagorne Vieira, Lourival Silva, Lydio dos Santos Cabreira e Alceu Pereira da Silva haviam participado de uma caminhada a pé de 82 km, ligando Antonina a Curitiba. Foi um feito notável. Este Raid, que era como se chamava então este tipo de competição, foi o batismo da patrulha Touro. Esta foi, com algumas modificações, a patrulha encarregada da missão no Rio de Janeiro.

Uma vez definido o grupo, foram reunidos na Patrulha Touro cinco rapazes que pudessem dar cabo da tarefa. A escolha, bem se pode imaginar, era a escolha de rapazes que tivessem experiência em caminhadas, em acampamentos, mas, que, também, pudessem agir como um grupo. Sem isso, a missão jamais poderia ter sido concluída com êxito.

Quem eram estes rapazes?

[A seguir: a partida, o Curitibaiva e a onça.]

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