A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 2ª PARTE — CAPÍTULOS 4 A 6

Damos aqui a continuação da grande aventura de Escoteiros da cidade de Antonina, PR. Role para baixo para ler a primeira parte!

Boa leitura!

4 – O DIA DA PARTIDA

Os Escoteiros da Tropa Valle Porto, de Antonina, Voltando de Reunião
Escoteira em Joinville (1941).

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 16 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão iniciando sua longa jornada.)

O dia 16 de dezembro de 1941 amanheceu em festa em Antonina.

Logo às 5 horas da manhã, a cidade explodiu numa alvorada promovida pelas bandas Marcial e Musical da Associação dos escoteiros antoninenses. Além das duas bandas promovendo a balburdia pela rua, havia um intenso foguetório. A cidade acordou com muito barulho ruído e, claro, música.

Em teoria, eram as comemorações do da do Reservista, uma daquelas datas que só as Ditaduras como a do Estado novo poderiam comemorar. Mas, na prática, a festa era a despedida da cidade aos rapazes, todos já devidamente vestidos com seu uniforme de gala: camisa de mangas compridas de cor caqui, calça comprida azul, lenço vermelho no pescoço, meias pretas longas e sapatos pretos.

A cidade se reuniu às 9:00 horas da manhã no velho coreto da Praça Coronel Macedo para hastear a bandeira nacional. Logo depois, a cidade se juntou para um grande desfile, aberto pelos escoteiros da tropa Valle Porto. Também desfilou um pelotão de revistas do tiro de guerra. Para encerrar, houve o desfile de um pelotão de ciclistas do Sindicato dos Operários Estivadores de Antonina. Lydio anotou em seu diário que este brioso pelotão operário era comandado pelo seu padrasto, o Zé Maceió.

Havia muito comentário pelas ruas sobre a missão dos rapazes. Muitos falavam da loucura de soltar 4 meninos e um rapazote numa aventura daquele porte. Algumas destas pessoas chegaram a apostar que alguém ia desistir no meio da viagem. Seriam eles picados por alguma cobra? Seriam devorados por alguns dos animais ferozes que ocupavam a Serra do Mar? As suposições eram muitas. Lydio nos conta em seu diário que houve pessoas que os interpelaram para que desistissem daquela loucura. Mas era tarde demais. Segundo nos conta Lydio, os rapazes apenas sorriam.

Às 13 horas, todos estavam reunidos na sede do grupo escoteiro, na Caserna, como era chamada. Lá, foi feita uma checagem do material que levariam. Nos embornais, sob responsabilidade de Lydio, iam suprimentos, como biscoitos e latas de conserva. Nestas latas, havia sardinha, goiabadas, frutas em calda e salsicha. No outro embornal iam roupas, toalhas e uma bandeira nacional, além de itens como sabonetes, sabão, pasta dental, escovas, velas fósforos, talheres e lápis. Neste embornal também ia o livro diário da Patrulha.

A despedida do grupo foi feita ali mesmo, na caserna, repleta de autoridades. Ali estavam o juiz de direito, o promotor, autoridades portuárias e os jornalistas Alfredo Jacob e João da Cruz Leite. Segundo Lydio, havia muito mais autoridades, mas ele diz não se lembrar. Acreditamos.

Da Caserna, os rapazes seguiram pelas principais ruas da cidade, sempre acompanhados de uma pequena multidão. No Portão da Graciosa, que ficava em frente ao Hospital, foi feita uma pequena despedida. As Bandeirantes cantaram para seus colegas o Hino “Companheiros, marcharemos Unidos”. Defronte ao Matadouro Municipal, houve outra despedida. Segundo Lydio, os olhos dos seus pais neste local ficaram brilhando de emoção. Alguns não conseguiam esconder as lágrimas. Os rapazes não resistiram e choraram também.

Neste ponto, o Chefe Picanço deu aos meninos uma estampa de Nossa Senhora do Pilar, a Padroeira da cidade. Era a largada oficial. Os rapazes continuaram, até que, na primeira curva da Estrada da Graciosa, acenaram um último adeus.

A aventura estava, enfim, começando.

5 – NO CAMINHO DO CURITIBAIVA

Antigo Portal da cidade: por aqui passaram os escoteiros no primeiro
dia de sua marcha.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 17 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão iniciando a marcha pela perigosa estrada do Curitibaiva.)

No primeiro dia, os rapazes caminharam somente 4 quilômetros. Mas, também, o dia havia sido cheio, com alvoradas, foguetórios, desfiles, despedidas. As 17:40, segundo o relógio de pulso de Lydio, eles montaram acampamento ainda na Estrada da Graciosa, numa Olaria de propriedade dos irmãos Vieira.

Três colegas foram de bicicleta passar a noite com eles: eram Lourival Silva, que era também, como Lydio, remanescente do Raid Antonina-Curitiba, mais Alceu Nascimento e Walter Vieira. Nesta primeira noite, o lanche dos rapazes e seus visitantes foi um café com leite condensado e bolachas de mel.

Durante a noite, foram feitos turnos de guarda de 2 horas cada um. No meio da noite, durante a guarda de Manduca, um burrico que estava por ali deu um relincho. Manduca deve ter se assustado, e o burrico mais ainda. Para desespero de Manduca, o pobre animal acabou dentro da Olaria, derrubando tijolos por todos os cantos. Com o barulho, todos se levantaram e ajudaram Manduca a tirar de lá de dentro o burrico, antes que o estrago ficasse maior. Mais umas risadas, e todos voltaram a pegar no sono.

De manhã cedo, os rapazes se despediram dos três colegas e tomaram a Estrada do Curitibaiba. Era muito barrenta, cheia de charcos, e o calor estava grande. Às 11 horas, eles já estavam no Morro Grande, onde fizeram um pouso na casa do senhor Bernardo Moreira. Ali, na fresca, tomaram um bom chimarrão e almoçaram uma farofa de frango que Milton havia trazido.

Acabaram por visitar o engenho de aguardente de seu Bernardo, e se impressionaram com a engenhosidade da roda d’água, que movimentava todos os maquinários do engenho. Em vez de aguardente, os rapazes aproveitaram a garapa que um empregado do senhor Moreira fez exclusivamente para eles.

Pouco depois, de volta a estrada, eles já estavam no rio do Meio. Depois de atravessar o rio, os rapazes deram uma descansada. Chefe Beto, com seu uniforme que, segundo Lydio, lhe dava o ar de um oficial inglês, deitou-se na grama e pôs-se a fumar seu cachimbo. Pra espantar os mosquitos, segundo ele. Lydio observou que as baforadas que ele dava erguiam-se rápido no calor da tarde.

Às 14:30 chegaram na venda do senhor Mokito Yassumoto, no Cacatu. Lá, compraram algumas coisas e seguiram adiante. Manduca e Canário andavam a maior parte do tempo descalços pelo caminho, sem machucar os pés. De todos, quem mais tinha esta capacidade era Canário, que podia caminhar a maior parte do tempo assim, descalço. Já os outros, calçavam “sapatos-tênis”, mais confortáveis.

Mais alguns quilômetros adiante, os rapazes passaram pela fábrica de papelão e pasta mecânica do Dr. Ítalo Pellizi. O sol estava tão quente que eles ficaram um pouco à sombra do portão da fábrica. Ali, encontraram um caboclo, que ensinou aos rapazes (tintim por tintim, como anotou Lydio) sobre o caminho que os levaria para o outro lado da Serra.

Quando chegaram no Rio cachoeira, Lydio sugeriu que eles o atravessassem a nado. Milton, mais ponderado, fez ver aos companheiros que ali tinha muita correnteza. O rio, segundo ele, era muito profundo por ali. Ficaram um tempo esperando um canoeiro que os atravessasse. Quando, depois de algum tempo, o canoeiro chegou e procedeu a travessia, os rapazes ficaram muito felizes com a pequena aventura náutica. Agradeceram ao canoeiro e se puseram a caminhar. Às 17 horas, chegaram na fazenda Santa Olympia, de propriedade do Senhor Ymaguti.

Nesta fazenda, tinha um posto telegráfico. Chefe Beto comunicou a chegada e informou que estava tudo bem com eles. O senhor Ymaguti e sua esposa receberam os rapazes, alojaram-nos num cômodo de sua própria casa e lhes ofereceram um jantar.

Nesta noite, com o corpo todo picado de mosquitos e com muitas dores lombares e pés inchados pelo peso que carregavam, os rapazes dormiram um sono dos bons.

6 – “É A ONÇA!”

A Serra dos Orgãos, que foi atravessada pelos escoteiros
em 1941, vista do bairro do Batel.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 18 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão ainda no município de Antonina, no sopé da Serra dos Órgãos. Como eles vão cruzar estas serranias cheias de mato e animais peçonhentos?)

Quando, na manhã seguinte, os rapazes acordaram na Fazenda Olímpia, fizeram muitas massagens para aliviar os membros doloridos. A aventura estava só começando…

Chefe Beto conversou com o encarregado da fazenda na hora do café. Queria saber qual o melhor caminho tomar. Eles tinham a ideia de que era mais vantagem ir pelo caminho do telégrafo até São Paulo. O caminho ia por Iguape, passando a Serra Negra no Paraná. “Não vão, porque é perigoso”, disse, taxativo, o encarregado. Segundo ele, o caminho do telégrafo é marcado por pântanos perigosos e rios traiçoeiros. Sugeriu o caminho por Capela da Ribeira, mais tranquilo.

Entre aliviados e assustados, os rapazes concordaram com o encarregado, e se prepararam para subir a Serra dos Órgãos, em direção à Capela da Ribeira. Após o café, despediram-se do senhor Ymaguti. No novo caminho, cruzaram novamente o rio Cachoeira, em direção a vila de Cachoeira de Cima.

Chegaram em Cachoeira de Cima às 10:30, onde pararam para tomar água e pedir informações. Atravessaram novamente o rio Cachoeira, mais acima, rumo à Fazenda Esperança, do turco Said. Lá, segundo Lydio, eles foram recebidos fidalgamente. O turco lhes ofereceu galinha assada, arroz e farofa. De sobremesa, garapa.

Da fazenda Esperança, os rapazes começaram a trilhar pela velha estrada para São Paulo. Segundo Lydio, era estrada lá dos mil e oitocentos… Na verdade era uma trilha, que depois quase desaparecia na mata. Depois de muito caminhar, chegaram ao pequeno povoado de Cotia, ao pé da Serra dos Órgãos. O povoado estava abandonado.

Os rapazes se acomodaram numa pequena fabriqueta de farinha. Era uma tapera e parecia estar abandonada há meses. Para maior segurança, reforçaram as paredes com uma corda, com medo que a tapera pudesse desabar em cima deles.

Milton e Manduca acharam, próximo da tapera, como era de se esperar, uma pequena roça de mandioca. Lá, se abasteceram do quanto puderam. Na tapera, os rapazes começaram o fogo num fogão rústico feito de pedras.

Ali era um local muito ermo e distante. Como estivessem no sopé da Serra dos Órgãos, a noite caía muito rapidamente. Às 18 horas, a escuridão já era total. E isto em pleno mês de dezembro!

Com medo das onças, os rapazes resolveram fazer uma fogueira, com turnos de guarda de 2 horas. No turno de guarda de Canário, ele acordou todos aos berros: “Ei, negada, acordem rápido! É a onça! É a onça!”. Canário tremia e apontava o farolete para uma moita. “Atire, Chefe Beto, atire!”.

Não se soube se era ou não era onça. mas, depois disso, quem dormia? O sono acabou de vez. Os rapazes foram tentando dormir. Ao longe, chegaram a ouvir os turros de algum animal bem longe, na Serra. Seria ela?

No turno de guarda de Lydio, alta madrugada, todos já tinham voltado a dormir. Na escuridão quase total, ele pensou em ter ouvido um choro de bebê. Apavorado, Lydio tremia e se arrepiava, quando percebeu uma grande coruja pousada perto dele. O pio parecia um grito de criança, e Lydio gelou até a espinha. A coruja olhava pra ele com seus grandes olhos bem abertos. Mas era só uma coruja. Com muito custo, Lydio a espantou para longe. Que noite dos infernos!

No meio de tanto susto, foi com alívio que ele percebeu os primeiros raios do dia.

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