A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 5ª PARTE — CAPÍTULOS 13 A 15

13 – SUBINDO A SERRA DE APIAÍ

Vista aérea da Cidade de Ribeira, 1941.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 25 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca), depois de passar o Natal em Capela da Ribeira, primeira cidade paulista do trajeto, estão tentando vencer os agrestes da Serra de Apiaí. Será que eles conseguirão passar?)

Depois da grande festa do Natal, os escoteiros acabaram por acordar tarde. Iam acordando uns aos outros, sonolentos, ainda com um pouco de ressaca da festa.

Lydio conta que tomou café com maisena e uns doces que haviam sobrado da ceia. Irrequieto, foi passear.

Na cidade, o jovem escoteiro ficou abismado com os buracos de balas de fuzil e metralhadora ainda visíveis na pequena igreja matriz de Capela da Ribeira. Ainda eram resquícios dos enfrentamentos durante a Revolução constitucionalista de 1932, ainda presente nove anos depois. “Nem a casa de Deus eles respeitaram”, anotou depois em seu diário.

Pouco depois, ele fez o caminho de volta e foi até o posto fiscal de Paranaí, hoje conhecida como Adrianópolis. Lá, não encontrou os fiscais com quem haviam feito camaradagem no dia anterior. E voltou à Capela da Ribeira.

Naquele tempo as duas cidades eram pequenas, e o surto industrial e mineiro estava ainda começando. Restritas pelo vale do rio Ribeira e pelos morros íngremes formados por rochas muito antigas, as duas cidades eram uma só. As casas eram construídas ao longo do único caminho possível. Somente onde o rio havia deixado algum terreno plano é que as duas cidades se espraiavam, ainda que pouco.

Lydio conta que os habitantes nunca haviam visto um escoteiro. E ainda mais aqueles, de uniformes e seguindo rumo a uma importante missão. Todos ficaram impressionados. As mocinhas, ainda mais.

Lydio nos conta de Iolanda, filha do padeiro, por quem teve seus sentimentos e que, por fim, deixou saudades. Manduca então reclamou que Lydio tinha “imã” para as mulheres. Lydio então brincou e disse que era porque Manduca tinha cabelo feio.

Milton, mais lacônico, acompanhava a conversa rindo ora de um, ora de outro.

Durante a tarde, os rapazes não fizeram nada. Ou melhor, fizeram. Foram para o rio tomar banho e amenizar o calor. Diversos outros rapazes e moças da cidade (mais moças que rapazes, segundo anotou Lydio) também ficaram lá com eles na pequena praia de rio. O tempo passou e eles nem sentiram.

Os rapazes se despediram de Capela da Ribeira, onde tiveram acolhimento tão bom, e seguiram viagem. Saíram as oito da noite para uma caminhada noturna subindo a serra de Apiaí.

Todos eles haviam participado já de caminhadas nestas condições. A Patrulha Touro dos escoteiros de Antonina havia participado de diversas corridas do facho e subidas pela Serra da Graciosa. Pela sua experiência e resiliência é que foram os escolhidos para a missão.

Entretanto, a Serra de Apiaí não era um desafio fácil. Pedregosa, com a estrada precária, a progressão era lenta. Apesar de estar mais fresco, a escuridão era total, e os meninos foram seguindo a trilha em fila indiana, com o auxilio de lanternas.

Depois de cerca de cinco horas de intensa caminhada serra acima, encontraram um pequeno casebre abandonado na beira da estrada.

Exaustos, decidiram passar ali a noite.

Acordaram às cinco da manhã. A claridade fazia ver as rochas esparsas no alto da serra, assim como a floresta cerrada. Um espesso nevoeiro cobra os vales. Os rapazes ouviram um barulho de água ali por perto. Era um regato que cruzava a serra e fazia um barulho da água passando por entre as pedras. No entanto, o acesso até ele era difícil, pois o regato corria alojado numa ravina bastante funda, de acesso difícil.

No entanto, obstinados em tomar um café, os rapazes se aventuraram a descer a barroca para pegar água e trazer lenha para a fogueira. Todos, menos Milton. Ele fora poupado, pois a caminhada noturna havia produzido uma enorme assadura em suas virilhas.

Às sete da manhã, depois do café, os rapazes voltaram à trilha. O sol alto ia castigando-os todos. Lydio conta que as pernas estavam todas arranhadas pelo capim corta-rapaz, e o sol fazia os arranhões queimar e coçar.

Somente lá pelas onze horas da manhã que eles finalmente chegaram à vila de Apiaí, novo trecho da jornada.

14 – A FESTA DE SÃO BENEDITO!

A Gloriosa Vila de Santo Antonio das Minas de Apiaí, hoje. Apiaí, em vista aérea de 1941.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 26 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão em Apiaí, onde presenciaram uma importante festa religiosa.)

Para Alexandre Oliveira, o Alê.

Os bravos escoteiros chegaram em Apiaí no dia 26 de dezembro de 1941. Cansados depois de vencer a Serra de Apiaí numa noite, vindos de Capela da Ribeira, eles foram procurar o prefeito municipal. Ao chegar numa cidade, os escoteiros tinham por obrigação procurar as autoridades para assinar o livro que dava conta da passagem deles pelo local.

No entanto, o prefeito de Apiaí, o Senhor Isaias Teixeira, acabou por fugir dos meninos. Estes o viram quando ele entrou em sua casa, em companhia de outro homem. No entanto, ao baterem na porta, informaram que ele não estava. Tudo Isso, segundo Lydio, porque o prefeito receou que eles fossem mendigar estadia no seu hotel, o Hotel Teixeira, o melhor hotel da cidade. “Isso nunca será esquecido por nós”, anotou Lydio em seu diário.

Por fim, os rapazes acabaram por montar barraca numa clareira perto da cidade. Haviam decidido não caminhar mais aquele dia, pois estavam todos cansados com assaduras nas pernas. O local onde acamparam era num terreno onde havia um hospital em construção. Ali colocaram as lonas e se abrigaram do sol inclemente.

Apiaí está localizada a mais de mil metros de altitude, num topo de morro, com uma avenida principal serpenteando pela cumeeira. Descendo desta avenida estão as ruas centrais onde estão as casas das pessoas mais ricas do lugar. Nos vales mais abaixo se encontram as casas mais simples, das pessoas mais pobres. Lydio anota que cerca de 70% das pessoas em Apiaí eram negros, provavelmente descendentes dos que trabalharam como escravos nas ricas Minas de Apiaí, que tanto fizeram a fama da cidade.

Apiaí tinha funcionando próxima da cidade a Mina do Morro, uma das mais importantes minas de ouro do vale do Ribeira. Explorada por uma empresa japonesa, a mina estava escavando galerias e tirando o ouro por métodos modernos de extração para a época. A exploração foi interrompida quando o Brasil declarou guerra aos países do eixo, poucos meses depois da passagem dos escoteiros por Apiaí. A área da Mina do Morro hoje em dia é um parque bem próximo da cidade, com intensa visitação.

Do outro lado da cidade, a Usina Experimental de Chumbo, no bairro do Palmital, havia iniciado naquele mesmo ano de 1041 sua produção. Construída pelo governo paulista com a administração do IPT, a usina também era uma aposta do governo paulista na exploração de chumbo e prata por técnicas mais modernas e baratas, viabilizando a produção das pequenas minas da região. Fechada durante a guerra, a usina nunca mais funcionou.

No dia em que os rapazes por lá chegaram, a população negra de Apiaí estava em festa, pois era dia de São Benedito. Os rapazes, depois de um descanso, fizeram uma janta composta por costela de porco assada, pão e café de coador. Depois que o sol baixou, as cinco da tarde, eles foram à cidade para apreciar a festa.

A procissão, composta quase que totalmente por negros, era bastante impressionante. A confraria de São Benedito, carregava a estátua do santo pelas ruas, ao som de cânticos, seguida por uma multidão. Os membros da confraria, responsáveis pelo andor, vestiam uma túnica branca e portavam tocheiros com vela.

Depois da procissão, já cansados, os rapazes voltaram ao seu acampamento improvisado nas obras do hospital, onde dormiram um sono pesado.

15 – TIROTEIO NO CASAMENTO!!

A Estrada de Apiai para Guapiara hoje. Retitando o asfalto, a
paisagem é praticamente a mesma que os escoteiros
encontraram em 1941.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 27 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de Apiaí. Num lugarejo do meio da estrada, eles levaram um baita susto numa festa de casamento.)

Eram sete horas da manhã quando os escoteiros se puseram na estrada, deixando Apiaí para trás em sua jornada.

Agora eles andavam por uma rodovia movimentada, e não mais numa estrada secundária no meio do nada. Ao contrário do Vale da Ribeira, no trecho paranaense, o tráfego de automóveis e ônibus ali era intenso. Volta e meia passava um carro ou ônibus e levantavam muita poeira, às vezes quase impedindo-os de enxergar claramente a frente.

A fina poeira do planalto de Apiaí era constantemente sacudida pelos carros da Viação Pássaro Azul e do expresso Paraná-São Paulo. Os ônibus da Viação Cometa também passavam. A poeira e o calor eram muito fortes. Ao meio dia, os rapazes pararam para descansar e comer um pouco. Almoçaram o farnel que traziam, resultado da noite anterior: costela de porco assada, pão e café.

Durante a caminhada eles continuamente assoviavam canções escoteiras, em geral dobrados que eram executados pela banda dos escoteiros. Iam alegremente à frente, cantando suas canções prediletas.

Quando as dificuldades e o cansaço surgiam, Lydio nos diz que eles procuravam lembrar-se da 8ª lei do escoteiro: “o escoteiro é alegre e sorri nas dificuldades”. Com estes pensamentos em mente, e ritmados pelo som dos dobrados da sua banda, os meninos atravessaram os morros do planalto de Apiaí durante todo o dia.

Ao final do dia, estavam chegando na povoação de Banhado Grande. Banhado Grande era pequena, com cerca de 9 casas de madeira, bem conservadas. Eles procuraram pouso, e o inspetor de quarteirão os colocou numa velha casa abandonada. Foi um alívio, ter um teto para dormir!

Antes de se acomodarem, porém, os rapazes viram uma cerimônia de casamento celebrado na vila, e que impressionou a todos. Lydio nos conta que o noivo chegou montado num belo cavalo negro, acompanhado de uma guarda de honra. A seguir, a noiva chegou numa carroça puxada por dois cavalos, toda enfeitada de flores. Atrás da carroça da noiva, vinha outra carroça enfeitada de flores com as damas. As damas estavam todas vestidas de branco, o que fez um belo contraste com as cores da paisagem.

Na casa do inspetor de quarteirão, onde seria celebrada a cerimônia, estavam aguardando os noivos o juiz de paz e o escrivão de Apiaí. A cerimônia foi celebrada, como de praxe. Na saída da cerimônia, em vez do tradicional arroz, os homens sacaram de seus revólveres e atiraram para o alto, em grande algazarra. Uma barragem de fogos também ocorreu, ensurdecendo a todos. Lydio notou que o foguetório assustou os animais.

Findo o casamento, o inspetor de quarteirão ofereceu uma janta aos rapazes, que estavam bastante impressionados com a cerimônia que haviam assistido. Durante a janta, perguntaram ao Inspetor sobre os caminhos que deveriam seguir nos próximos dias, seus problemas e dificuldades. E também contaram ao homem sobre a viagem e sobre os episódios que viveram até ali.

De tanto que falou da viagem, Lydio nesta noite teve dificuldade de dormir, lembrando de seus pais e familiares, lá na distante Antonina.

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