A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 10ª PARTE — CAPÍTULOS 28 A 30

28 – NA PAULICEIA DESVAIRADA!

O bonde camarão no centro de São Paulo; os escoteiros andaram muito de bonde quando aqui estiveram, em janeiro de 1942.
Ao fundo os arranha céus do Banco do Estado e o Martinelli.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 09 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca), chegam ao quartel do 1º BC em São Paulo, primeira etapa da viagem.)

A Pauliceia é mesmo desvairada. Às 6 horas da manhã, o barulho ficou ensurdecedor para nossos rapazes. A cela da cadeia de Pinheiros estava insuportável por causa do barulho dos veículos que iam a vinham pela rua. Os rapazes acordaram cedo, tomaram um café ali mesmo, na cadeia, e saíram a desvendar São Paulo. Seu destino era o quartel da Polícia Militar, onde ficaram alojados.

Depois de subir toda a avenida Rebouças e entrar na Consolação, os rapazes sentiram-se completamente perdidos naquele mundaréu de prédios e ruas. Era mesmo um grande labirinto de prédios e pessoas. E resolveram pegar um taxi até o quartel. Acabaram por chegar no quartel do 1º batalhão de caçadores, que hoje se chama batalhão Tobias Aguiar, sede das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a tão temida ROTA.

Antes de haver um exército regular no Brasil, os governos estaduais eram responsáveis por uma unidade militar, que fazia o papel de polícia. Estas unidades, porém, também eram pequenos exércitos, e os governadores usaram as suas “Forças Públicas” em diversos conflitos internos. Desmanteladas no Estado Novo, estas corporações deram origem às atuais polícias militares. A ROTA, inclusive, esteve metida em diversos episódios lamentáveis da história moderna do Brasil. Um destes foi a Chacina do Carandiru, em 1994.

Entretanto, voltemos ao quartel do 1ºBC. Segundo Lydio, eles tiveram sorte, pois chegaram no quartel bem na hora do rango. Entraram na fila e, mortos de fome que estavam, acabaram repetindo o bandeco. A comida foi tanta, que eles tiveram que fazer uma siesta. Contando o milagre sem contar o nome do Santo, Lydio diz de um companheiro que neste dia dormiu até as três da tarde. Só podemos saber que não foi Lydio, nem Milton. Estes tinham um álibi. Nesta hora, Lydio e Milton foram conhecer os blindados que estavam ali no quartel, em exposição. Logo depois, quando os outros colegas acordaram das siestas, os rapazes resolveram ir passear no largo de São Bento. Para isso, pegaram um bonde camarão. Este era o nome dos antigos bondes de São Paulo, que existiram até os anos 60. O apelido era por causa da cor vermelha característica.

Do centro, os rapazes pegaram um bonde para a Barra Funda. Lá, estava o Instituto Nacional do Pinho, dirigido pelo amigo e conterrâneo Laudemiro Munn Vieira. A partir deste momento, Laudemiro foi o protetor e guia dos rapazes em terras paulistanas.

No Instituto Nacional do Pinho, eles encontraram outros antoninenses, como José Gonzaga Vieira, Luís e Antônio Veloso e Gabriel Dover. Ainda estava ali trabalhando o ex-colega escoteiro Aderque Vieira. Era quase um consulado de Antonina. Levados por Laudemiro, Lydio e Milton conheceram ainda a Serraria Paraná, ligada ao instituto Nacional do Pinho. Lá, trabalhavam também muitos paranaenses.

O Instituto Nacional do Pinho era um órgão que havia sido recém-criado pelo governo pra cuidar da produção e do reflorestamento do Pinho. Entre suas ações estavam o fomento à produção de madeira e de conservação das florestas. Pode-se entender que só predominou a primeira. As florestas de araucária que restaram foram depois incorporadas ao IBDF, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal.

Depois, de levar os rapazes para conhecer o Instituto Nacional do Pinho, Laudemiro os levou a jantar em sua casa, no bairro paulistano da Casa Verde. Lá, eles receberam ainda cartas enviadas pelos parentes e amigos, além de dinheiro enviado pelas famílias. Cada um recebeu entre 40 e 60 mil réis, o que foi uma alegria.

Depois do jantar, os dois voltaram de bonde até o centro. O passeio noturno foi um deslumbramento. Chamava especial atenção dos rapazes os anúncios luminosos em gás neon, que coloriam a fachada de vários edifícios. Lydio nos conta que, no alto do arranha céu do Martinelli, uma imensa girafa girava, fazendo luminosa propaganda da cerveja Caracu.

Nas ruas, os rapazes se deliciaram com o barulho do buzinar dos carros, o ranger da roda dos bondes e o apito dos guardas de trânsito. Em cima de pequenas caixas de madeira, eles tentavam controlar aquele aparente caos. O vozerio dos vendedores de loteria também chamou atenção dos rapazes. Com seu jeito bem humorado, as vozes dos vendedores competiam entre si. Um deles gritava: “Quem é felizardo nasceu em 1911! O seu dia chegará! Aproveitem que só tem um bilhete!”.

A quantidade de pessoas também impressionou muito os rapazes. Para espanto deles, na rua direita os carros não transitavam, só pedestres. Entretanto, a ferocidade do tráfego não obstante fazia inúmeras vítimas. Lydio anota que a avenida Brigadeiro Luiz Antônio era a campeã de acidentes. Os rapazes passaram ainda pela avenida São João, onde estavam as maiores lojas de calçados e tecido. A rua Libero Badaró era a rua elegante, cheia de cafés e bares, com muita gente entrando e saindo.

Estavam apreciando passear também no Viaduto do Chá, quando perceberam que já estava tarde. No quartel o toque de recolher era as dez. De volta ao quartel e cansados de tanto bater perna, os rapazes dormiram um sono só.

29 – A CARTA DE CHEFE MANECO

Ao fundo o edifício Martinelli, no centro de São Paulo. Este edifício, o primeiro arranha céu da America Latina, foi visitado pelos escoteiros antoninenses em janeiro de 1942.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 10 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão passeando por São Paulo quando recebem uma carta importante.)

O dia seguinte, um sábado, amanheceu garoando. Entretanto, às 9 da manhã a garoa, clima antes tão típico da capital paulista, se dissipou. Com o dinheiro recebido no dia anterior, os rapazes deixaram o quartel e foram às compras.

Milton e Chefe Beto compraram alpargatas roda e tênis de basquete para usarem na caminhada. Os velhos tênis que haviam trazido já estavam por demais gastos. Lydio comprou mais um cantil e meias pretas três quartos.

Depois de bater a boia no quartel, os rapazes fizeram uma pequena sesta e, mais dispostos, foram visitar o senhor Laudemiro Munn, na Casa Verde. De lá, senhor Laudemiro os levaria para conhecer a cidade. Em tal companhia, os escoteiros visitaram o terraço do Martinelli, e viram lá de cima a confusão e o mar de prédios do centro da capital. Segundo Lydio, era impressionante sob todos os pontos de vista.

A seguir estiveram em diversos pontos do centro da cidade, como o parque do Anhangabaú, o largo de São Bento, a Praça do Patriarca, entre outros. Na avenida São João, entraram num bar e fizeram um lanche. E se divertiram olhando as vitrines das lojas. A predileção dos rapazes era ver os manequins que estavam expostos.

À noite, os rapazes jantaram em casa de seu Laudemiro. Depois, tinham compromisso: visitas oficiais a diversas rádios da cidade. Neste dia, os rapazes visitaram a rádio Tupi, e as rádios Cruzeiro do Sul, Kosmos, Difusora e Bandeirantes. Os rapazes foram muito bem recebidos e contaram sobre sua aventura aos jornalistas.

No dia anterior, os rapazes haviam recebido uma carta do Chefe Maneco. Na carta, Seu Maneco anunciava que estava mandando uma pequena quantia para cada um deles. Mas tinha um outro assunto, mais espinhoso. Seu Maneco advertia Lydio para que não escrevesse mais para sua família relatando os problemas do grupo, como ele fizeram na carta que enviou de Itapetininga. “Escrevam para mim, que eu dou jeito daqui mesmo”, aconselhou chefe Maneco.

Mas não foram só problemas que tratava a carta. Chefe Maneco ainda procurou incentivá-los a continuar o Raid, pois tudo estava indo bem. “Não esmoreçam, pois faremos bonito perante as demais Associações da Federação [de escoteiros]”.

Também confortava a todos que ele estaria sempre ao lado deles, e advertia para que eles não encrencassem mais com Chefe Beto. “Todos vocês são bons escoteiros e confio que nada mais haverá”. Na margem da carta, escrita a lápis, um pedido: “Veja se apuram mais um pouco o Raid, não parem, quem aqui pede é o chefe e amigo. Veja se a 25 estão no Rio”.

Chefe Beto também recebeu uma carta de Seu Maneco. Lydio acha que ele não gostou, pois ficou carrancudo o resto do tempo.

30 – UM DIA NO MUSEU

O Museu do Ipiranga em 1940. Os escoteiros antoninenses estiveram aqui em sua viagem rumo ao Rio de Janeiro.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 11 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão passeando por São Paulo num belo domingo de sol e calor.)

No domingo, o quartel do 1º BC estava vazio. A soldadesca estava liberada até segunda feira. Com o quartel vazio, o que chamou a atenção dos rapazes neste dia fio uma imensa feira ambulante, operando na praça em frente ao quartel. Havia muitas barracas, que vendiam quase de tudo. A quantidade de gente e o alarido das pessoas lembrou aos rapazes a feira que se formava durante a festa de Nossa Senhora do Pilar, em Antonina.

Nesse dia foram à Casa Verde, para encontrar seu Laudemiro, este levou-os a um passeio que incluiu o Parque da Água Branca. Lá, os rapazes viram uma exposição com exemplares de animais bovinos, suínos e equinos. Mas, o que mais chamou a atenção foi a exposição de peixes que havia. Lá, encontrara peixes elétricos, peixes espada, piranhas, e o pirarucu amazônico. Também havia enguias, salmões, cavalos marinhos e um baleote. E, é claro, uma seção completa com diversos tipos de peixes ornamentais.

Além, disso, os rapazes encontraram ali no parque da Água Branca um grande Jardim Zoológico com animais silvestres, como zebras, alces, girafas, alces, lhamas e diversos tipos de cervos americanos. Entra as aves, os rapazes viram faisões e pavões, além de araras periquitos e canários de todas as espécies. Nem dá pra imaginar as brincadeiras que os colegas fizeram com Canário…

À tarde, seu Laudemiro os levou para visitar a estação da Luz e a estação Roosevelt, no Brás. Depois, eles foram para o Ipiranga, onde foram visitar o Museu. Os rapazes ficaram impressionados com a história pátria que ali viam. Também se impressionaram com o Monumento da Independência, que eles acharam lindo.

À noite, eles fizeram sua programação oficial. Participaram de um programa na rádio Kosmos de São Paulo. Lá, puderam ver diversos artistas que iam fazer suas apresentações ao vivo. Deve ter sido muito emocionante para os rapazes ver um espetáculo daquele sendo produzido ali, no calor da hora. Mas não foi só isso. Eles acabaram esticando a noite visitando diversos jornais paulistanos, como a Gazeta, o Correio Paulistano, o Diário da Noite, O Jornal e o Diário da Noite. Em cada redação, eles explicavam o que estavam fazendo e contavam algumas de suas aventuras. Lydio conta que, já traquejados de dar entrevistas, isto não lhes dava mais nenhum embaraço.

Com tantos compromissos, acabaram chegando tarde no quartel. Mas era domingo e o sentinela foi muito camarada. Como diz Lydio, “deu uma mãozinha”. Dali a pouco, os cinco estavam dormindo o sono dos justos.

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