A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 11ª PARTE — CAPÍTULOS 31 A 33

31 – DE NOVO NA ESTRADA!

A frente do estádio municipal do Pacaembu: Os escoteiros estiveram aqui de visita em janeiro de 1942.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 12 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca), depois de alguns dias de descanso, estão saindo de São Paulo rumo a seu destino no Rio).

No dia 12 de janeiro de 1942, uma segunda feira, o céu havia amanhecido brusco na capital Paulista. A temperatura havia caído um pouquinho durante a noite. Somente quando a neblina se dissipou é que o sol apareceu.

Os escoteiros de Antonina tinham que prosseguir a jornada. Entretanto, Chefe Beto, Milton, Lydio, Canário e Manduca achavam que não conseguiriam chegar ao Rio em 25 de janeiro, como pediu chefe Maneco. Na verdade, pelos cálculos dos rapazes, a média das caminhadas diárias dava 29 quilômetros por dia, contando com as paradas para almoçar e descansar. Portanto, segundo as contas deles, uma data mais realista para a chegada ao Rio seria por volta de 30 ou 31 de janeiro.

Este era o dia de despedidas da capital, mas ainda tinha muita coisa e muito compromisso. Os rapazes recorreram aos bondes camarão e taxis para cumprir suas tarefas e percorrer todos os locais que precisavam percorrer.

Inicialmente, foi visitado o Departamento de Publicidade de São Paulo, e, em seguida, o Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda. Nestes locais, os rapazes receberam várias homenagens da imprensa paulistana. Em seguida, foram à Agência Nacional, onde ainda posaram para uma foto e foram entrevistados por vários jornalistas.

O compromisso seguinte seria uma visita de cortesia ao governador de São Paulo, no antigo palácio dos Campos Elíseos. Era a antiga residência dos governadores paulistas. Infelizmente, o governador paulista, Dr. Fernando Costa, estava ausente, veraneando no litoral. Representando o governador, o secretário-chefe da Casa Civil do governo estadual os atendeu gentilmente, o que agradou por demais aos rapazes.

Ao sair do palácio, os escoteiros ainda visitaram a redação do jornal A Gazeta. Lá, conheceram o famoso jornalista Dr. Casper Libero, um dos mais importantes nomes do jornalismo brasileiro.

E ainda tiveram tempo (ufa!) de visitar o grandioso estádio do Pacaembu. Lydio descreve o estádio como situado entre duas colinas e em formato de ferradura, como um ginásio de esportes e uma pista de atletismo. Recebidos pelo próprio diretor do estádio, ficaram sabendo que, com capacidade para 50 mil pessoas, o Pacaembu era o 3º em capacidade de público na América do Sul.

Depois de toda esta maratona, os rapazes ainda foram almoçar com o senhor Laudemiro, na Casa Verde. Lá, contam, foi com lágrimas nos olhos que se despediram do senhor Laudemiro e sua família. Depois de quatro dias de intensa convivência, despediram-se saudosos daquele que foi seu amoroso guia em terras paulistanas.

No quartel, também começaram as despedidas. Cumprimentaram o comandante do 1º BC, que os havia tratado tão bem. Lydio nos conta que foi naquela corporação que tiveram seus melhores amigos. “Não se pense”, acrescenta Lydio, “que por serem policiais, não eram bons sujeitos”. Segundo ele, eram melhores que aqueles indivíduos civis que ficam batendo perna pela rua e dão problemas para os policiais.

Por fim, despediram-se de todos no quartel. Foi pouco tempo, mas o bastante para fazer amizades. Oficiais inferiores, sargentos, cabos e praças, todos receberam os rapazes muito bem. Por força dessa simpatia, depois das despedidas, os rapazes ainda foram encaminhados para a cozinha, onde puderam encher os embornais com comida para a viagem.

Às 16:00 deste dia, no Marco Zero do Largo da Sé, os rapazes partiram para a terceira e última etapa da viagem. Eles ainda tomaram um bonde camarão e foram a Penha, de onde pegariam a estrada para o Rio de Janeiro. Ainda passaram, nesta mesma noite, pela pequena vila de São Miguel Paulista, onde procuraram um delegado para assinar o livro de visitas. O delegado insistiu que dormissem ali. Mas eles estavam com pressa.

Os rapazes ainda seguiram mais 8 quilômetros e montaram acampamento num campo em frente a uma casa nas proximidades do rio Tietê. O relógio de Lydio marcava 23:30 horas.

32 – ENTRE GAIJINS E NIHONJINS

Cartaz japonês incentivando a imigração para o Brasil.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 13 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de São Paulo e chegando em Suzano.)

Mal começou a raiar o dia, os cinco escoteiros de Antonina já estavam no seu caminho. Tinham que chegar ao Rio, para cumprir sua missão. Nesta terça feira, 13 de janeiro de 1942, os jornais paulistanos anunciavam a IIIª Conferência dos Chanceleres Americanos, que ia começar no Rio de Janeiro. Esta conferência era uma resposta ao ataque japonês a Pearl Harbour, fazia pouco menos de um mês, e que havia forçado a entrada dos Estados Unidos diretamente na Guerra. Os chanceleres de todos os países americanos iam decidir o que fazer ante a ameaça nipônica.

Entre as notícias que davam conta dos combates na Ásia, uma pequena nota no “Correio Paulistano” falava do raid dos escoteiros. Nela, Chefe Beto falava sobre as impressões dos rapazes sobre o estado de São Paulo. Na entrevista, ele fala da boa impressão que lhes deu a agricultura em São Paulo. Disse que sempre havia com que se abastecer por todo o caminho. Quando a distância era muita, “recorríamos à natureza: na caça e na pesca buscávamos nossa subsistência”, completou ele. E agradeceu a generosidade com que foram recebidos em todas as cidades percorridas. “Prova do espírito de patriótico cooperativismo que anima todos os brasileiros, integrados na cruzada comum de honrar e engrandecer a Pátria”.

Enquanto as grandiloquentes palavras de Chefe Beto eram lidas nos Jornais, os rapazes, Milton, Lydio, Canário e Manduca, estavam passando por perrengues mais ou menos normais da ventura: o tráfego rodoviário na estrada de Poá estava muito intenso. Curvas estreitas, curvas muito fechadas sem parapeitos, e eles viam quase desastres, que não se consumavam por milagre. Mas as casas ao redor eram muito boas, segundo anota Lydio.

Às 11 horas, eles passaram por Suzano. Era uma pequena cidade ainda em formação. O que impressionou Lydio era a grande quantidade de Japoneses. Ali conviviam os nihonjin, como os japoneses se chamavam, com os gaijin, ou os brasileiros. Gaijin é uma forma pejorativa de chamar, e a tradução correta é “bárbaro estrangeiro”. Os nossos bravos gaijins antoninenses haviam andado cerca de 10 quilômetros aquele dia. Daria pra andar mais, muito mais. No entanto, o tempo fechou.

Um forte aguaceiro caiu sobre a pequena cidade, o que levou os escoteiros a se abrigarem por ali. Já eram 16 horas, a chuva não abrandava. Procuraram o prefeito, que se desculpou por não os atender melhor, pois havia um só hotel na cidade e ele estava lotado. Ficaram pela rua mesmo, só se protegendo em algum lugar.

Chamou muita atenção dos rapazes o fato da cidade ser bilíngue, com cartazes e propagandas em português e japonês. Havia somente uma Igreja católica e diversas Igrejas budistas. Até o crime falava japonês. Pelo que eles ouviram, em Suzano, havia duas gangues japonesas, que disputavam o controle da cidade.

No entanto, a comunidade nipônica em Suzano e no Brasil iria passar por tempo difíceis. Desde 1938, com o golpe do Estado Novo, a ditadura varguista iniciou uma forte repressão à cultura japonesa. Proibiu as aulas em japonês e chegaram a confiscar bens de imigrantes.

Com a declaração formal de guerra aos países do Eixo, poucos meses depois da passagem dos escoteiros por ali, a repressão iria ser mais dura. Os nipo-brasileiros ficaram proibidos de viajar e mesmo de morar em determinadas áreas, como no litoral. Com isso, muitas das famílias nipo-brasileiras que haviam recebido tão bem os escoteiros em dezembro, em Antonina, teriam que desocupar aquelas áreas que habitavam.

Ali em Suzano, a vida seguia, apesar das agruras dos tempos de guerra. E chovia, chovia muito. De qualquer modo, apesar da chuva, os rapazes foram no cinema. O filme que eles viram, “O crime no terraço”, era o mesmo que estava passando em vários cinemas da capital. Os rapazes gostaram muito, pois havia bastante tempo que não viam um bom filme no cinema.

33 – DORMINDO NO ESTÁBULO

A belíssima Igreja de Nossa Senhora da Escada, em Guararema. Os escoteiros capelistas passaram aqui perto, acossados por fortes chuvas de verão.

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 14 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de Suzano e passando por Guararema).

Às cinco horas da manhã, o guarda noturno do centro de Suzano acordou os cinco escoteiros. Este fora o combinado com Chefe Beto. Os cinco rapazes precisavam descontar o atraso do dia anterior. Aquele dia em Suzano amanheceu bonito, e eles, com muita energia.

Às 7 da manhã, eles já haviam passado por Santo Ângelo, e, às 10 horas, chegaram em Mogi das Cruzes. Outra cidade com uma grande colônia japonesa. Mas aqui o ritmo era outro. Os rapazes precisavam andar. Procuraram uma autoridade para carimbar o livro e continuaram o caminho. Pararam somente dois quilômetros adiante, numa pequena ponte. Aqui, almoçaram um pão cada, duas colheres de farinha de milho, um pedaço de linguiça e uma caneca de café. “Que baita almoção!”, ironizou Lydio em seu diário.

Depois de descansarem um pouquinho, os rapazes puseram se a marchar. Estavam agora passando pela Serra do Tapity, em direção a Guararema. Apesar de não ser uma serra muito íngreme, o caminho era castigado por um sol impiedoso. O caminho de mais de 9 quilômetros era lento. Mas, assim tinha que ser, como diz Lydio. Passaram pela encruzilhada que leva a Sabaúna e Luiz Carlos e tomaram o rumo de Guararema.

A partir de agora os rapazes estavam entrando no Vale do Paraíba. O vale se estendia ao longo do leito do rio Paraíba, como uma planície marcada por morros suaves. Era cercada a sudeste pela Serra do Mar e a Oeste pela Serra da Mantiqueira, compondo uma paisagem muito bonita. Com uma longa tradição na cultura do café, os fazendeiros do vale do Paraíba dominaram boa parte da política imperial brasileira, com toda sua violência e seu atraso.

Com a decadência da lavoura cafeeira na região do Vale do Paraíba, principalmente por causa do cansaço das terras, a cafeicultura mudou-se para o Oeste Paulista, onde despontava a cidade de Campinas. Depois de esgotar as terras onde estava, o “general café” continuou sua busca por novas terras intocadas, marchando ainda mais para oeste. Nos anos 1940, a cafeicultura estava já no norte do Paraná, onde despontavam as cidades de Londrina e Maringá.

Por seu lado, a economia do vale do Paraíba paulista neste período estava se recuperando. A produção de leite era o forte da produção, e a industrialização também era acentuada. Em lugar dos lamentos de Monteiro Lobato, o Vale se reerguia.

Correndo da chuva, Chefe Beto, Milton, Lydio, Canário e Manduca não passaram por Guararema, e foram direto para a localidade de Escada. Era uma pequena localidade que havia sido um aldeamento de indígenas no século XVII, e que agora estava praticamente abandonada. No entanto, A igreja de N.S. da Escada, recentemente restaurada, um é uma pequena joia do Barroco brasileiro. Mas nem deu tempo de chegar no pequeno vilarejo.

O tempo arruinou e um forte temporal desabou sobre a região. Ainda faltava dois quilômetros para Escada, e o jeito foi se abrigar num estábulo. Era uma estrebaria muito fétida segundo Lydio, mas que foi limpa rapidamente para que pudessem pernoitar por ali.

Era uma invernada de gado, e de manhã as vacas estavam todas na porta da estrebaria. Os rapazes ficaram assustados, mas felizes porque tinham lembrado de fechar a porteira. As vacas não saiam dali por nada. Somente com tições de fogo eles conseguiram rapidamente afugentar os animais e rapidamente abandonar aquele lugar.

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