A SAGA DOS ESCOTEIROS DE ANTONINA — 3ª PARTE — CAPÍTULOS 7 A 9

A grande aventura dos nossos Companheiros paranaenses de idos passados prossegue. As partes anteriores são encontradas rolando o blog para baixo!

7 – O RAPAZ MISTERIOSO

Enquanto os escoteiros antoninenses subiam a Serra dos Órgãos, em dezembro de 1941, soldados soviéticos se preparam para defender Moscou das tropas nazistas.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 19 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão tentando atravessar a Serra dos órgãos. Eles vão precisar de toda ajuda…terrena e do além…).

Depois de tomar café, e cansados pela noite mal dormida, os rapazes seguiram firmes pela estreita trilha. Caminhavam com o uso de bastões, com a mochila nas costas e muito medo de se perder. Lydio ia sempre rezando, pedindo sucesso. Além do mato fechado, atravessaram muitas roças de mandioca abandonadas.

Chegaram na casa do último morador da região, conhecido por Antônio Órfão. Só mesmo um órfão para ficar morando aqui neste fim de mundo, devem ter pensado os rapazes. O Seu Antônio, simpático, contou aos rapazes que eles já estavam subindo pra Serra dos Órgãos.

Bem perto deles estava o Pico Paraná, o maior pico da serra e o mais alto pico da Região Sul. Hoje, a altura do Pico Paraná está calculada em 1.877 m [dado extraído do Google pelo escriba da Patrulha Jaguatirica]. Majestoso e enevoado, o grande paredão de granito era, na época, um desafio para os escaladores de montanhas.

Sem ter pretensões de escaladores, os rapazes prosseguiam subindo. A vegetação era cada vez pior: cheio de espinhos, bambus, pequenas epífitas, capins. Tudo machucava, tudo picava. Até as plantas eram agressivas: espinhos, urtiga e capim corta-rapaz. Lydio teve uma epifania: chegariam ao objetivo custasse o que custasse. Não eram aquelas montanhas e aquele mato que os deteriam. Pedras e mais pedras, fendas, paredões, nada os deteria. Cobras venenosas, como jararacas, urutus, jararacuçus, bicoraias, verde, caninana, e aranhas caranguejeiras, nada os deteria.

Só a água. Quando acabou a água dos cantis, os rapazes começaram a se desesperar. Um deles gritou: “Ai, estou morrendo de sede! Água, pelo amor de Deus!”. As gargantas secas se desesperavam sem água.

Chefe Beto teve uma ideia: cortar taquaras e beber a água que tinha dentro do caniço. Quando cortaram um caniço, no entanto, de lá saltou um marandová gigante! Ao ver o bicho cabeludo correndo desesperado pelo chão, os rapazes sentiram tão abandonados quanto ele: como fazer para ter água?

Logo, descobriram no chão, debaixo das folhagens, algumas pegadas de cavalo com água da chuva estagnada. Os rapazes saciaram a sede usando algodão na boca para filtrar a água amarela e cheia de mosquitos daquelas poças d’água.

Saciados, comeram alguns enlatados. Tinha até goiabada, não podia estar tão ruim…o bornal de Lydio ia ficando mais leve…

Pouco mais adiante encontraram um caçador. Ele nos avisou que havia uma vara de porcos do mato por ali. “ela tá ali, na barrocada. Pode atacar e dar muitas dor de cabeça pra vosmisseis”. Os rapazes trataram de sair logo dali. Chefe Beto seguia na frente. Milton ia atrás, tropeçando em todos os buracos, segundo Lydio. Eles seguiam bem o caminho das patas da vara de porcos, e iam subindo a serra. Ali havia muitas aves. Muito frequentemente ouviam o batido da araponga ao longe. Subiram muito, até ficarem extenuados. Lydio conta que eles pareciam perto do céu.

Estava já meio escuro, embora fosse ainda três e meia da tarde. Foi quando um rapaz surgiu ali no meio da trilha. Ao saber para onde os escoteiros iam, ele se propôs a guiá-los. O caminho era muito perigoso. Aqui e ali, gigantescos paredões apontavam para cima e fendas profundas formavam precipícios. Lydio conta que, em determinado momento tropeçou num buraco, e ficou sem equilibro na beira de um precipício. Canário até gritou: Cuidado Lydio!”. Mas, naquela situação, foi a mão firma do rapaz desconhecido que o segurou e o pôs em equilíbrio na trilha.

Seguiram caminhando, até próximo do rio Capivari. Numa encruzilhada, o rapaz desapareceu, embrenhando-se por um caminho. Lydio e os demais rapazes não perceberam que ele tinha ido embora. Quem seria ele?

8 – CURANDO AS FERIDAS

Sitio na atual Bocaiuva, antiga Queimadas…ainda hoje com pequenas propriedades e matas “sujas” com araucárias misturadas as outras espécies. Era uma paisagem semelhante a essa que os escoteiros encontraram em dezembro de 1941.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 20 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão andando pelas perigosas serranias do Ribeira.)

Depois do trecho mais perigoso de Serra, os rapazes caminhavam agora pelos morros do Planalto Curitibano. Os morros mais altos já estavam cobertos por um denso nevoeiro. Era uma cena magnifica. Após a trilha de incertezas, que, segundo Lydio, foi a subida da Serra, o ânimo já era outro, de alegria pela vitória conquistada.

Ao descer do Morro, os rapazes acharam a água que eles estavam precisando. Aquele riozinho, muito apropriadamente, era chamado de Rio Paraíso. Segundo Lydio, foi uma alegria total. Logo, estavam os cinco completamente pelados, tomando banho no pequeno riacho de água fria. Neste local, Milton tirou uma foto do grupo (não se sabe se vestidos ou pelados). Infelizmente, a foto queimou ao ser revelada…

Logo depois, eles atravessavam o rio Paraiso e cruzaram um extenso trecho a facão, pois a mata ainda era muito densa. Logo depois, chegaram a uma estrada. Estavam próximos ao Rio Ribeirão Grande.

Lídio espantou-se ao ver casas cobertas com telhas de tabuinhas. Para ele pareceu uma aldeia africana. Seguindo pela estrada alcançaram uma venda e quatro quilômetros adiante acamparam numa roça de milho.

Uma vez armada a barraca, os rapazes se dividiram para procurar lenha e água. Outros procuraram pedras para fazer de fogão. Afinal, acenderam a lenha, e Manduca e Canário ficaram ocupados em cozinhar o milho.

O relógio de Lydio marcava 19:30 horas quando eles finalmente comeram o milho e tomaram uma revigorante xícara de café. Estavam tão assustados, animados e felizes que cada um fez uma prece para Deus e para Nossa Senhora do Pilar por terem vencido mais esta etapa.

No entanto, a coisa não andou tão bem assim. Às 4 horas da manhã, um temporal com vento forte derrubou a barraca, e deixou os rapazes em apuros. Completamente ensopados, eles não tiveram jeito senão levantar acampamento e seguir adiante, procurar um abrigo.

Já estava amanhecendo quando alcançaram a venda do Senhor Alderico Bandeira, onde eles, encharcados até os ossos, como anotou Lydio, acabaram por pedir guarida.

O senhor Alderico era um prospero comerciante da região. Compadecido, mandou os rapazes entrarem e trocarem as roupas num cômodo da sua casa. No salão, ao lado do armazém, havia uma grande acumulação de sacos vazios, apetrechos de couro e mais cestos e balaios para carregar cereais. Tudo na maior desordem, segundo Lydio. Eram materiais para carregar cereais, principalmente milho. Aqui nesta zona agrícola a tração animal ainda era muito importante para o transporte de excedentes.

Ali, havia uma criação de suínos que deixou os rapazes de queixos caídos. Eram porcos da raça Duroc, faixa branca e polanchin. Segundo Lydio, alguns daqueles porcos chegavam a pesar mais de 10 arrobas, ou 140 quilos!

A chuva continuava; o senhor Alderico os convidou para tomar café com pão feito em casa. Também tinha marmelada, o que deixou os rapazes mais satisfeitos. Eles estavam no povoado de Capivari. Segundo o diário de Lydio, esta povoação não existe mais – está sob a represa do Capivari, construída nas décadas de 60-70.

Na venda, continuava a chover. Abrigando-se da chuva como eles, estava um senhor meio idoso, que, quando andava, coxeava de uma perna. Estava com um ferimento muito feio e antigo. Só tinha um paninho fedido enrolado na perna. Os rapazes não perderam tempo, e trocaram a bandagem do ferimento do senhor, com cuidado, removeram o pano grosseiro e fizeram uma lavagem com água oxigenada. Depois, drenaram todo o pus e aplicaram pomada Minâncora sobre a ferida. A ferida foi envolvida com atadura de gaze e esparadrapo. O senhor ficou muito aliviado e agradeceu muito a boa vontade dos escoteiros.

Às 11:30, seu Alderico ofereceu para eles um baita almoço. Tinha feijão com arroz, galinha assada recheada, polenta frita, batatinha. Um verdadeiro banquete. O Chefe Beto fez menção de pagar pelo almoço, mas seu Alderico se recusou a receber:

“Para vocês é de graça”. A chuva já estava amainando e eles tinham que seguir viagem.

9 – UM CRIME HORRENDO

Uma vista do alto da Serra da Bocaina, na atual Bocaiuva do Sul, PR; os escoteiros a atravessaram em 21 de dezembro de 1941.

(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina, PR, entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 21 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) ouvem historias de um crime horrenda ocorrido na vila de São Pedro.)

Os rapazes se puseram em marcha, depois de deixar a venda de seu Alderico Bandeira, na pequena vila de Capivari. Tinham que retomar a marcha, para recuperar o tempo que chuva torrencial da madrugada havia lhes tomado.

Às três e meia da tarde, chegaram ao pequeno povoado de Praia Grande. Pediram um café reforçado numa pequena venda de secos e molhados. Para atendê-los, uma moça loira muito bonita, que deixou a todos embasbacados. Mas eles não tinham tempo para isso. Tinham que andar.

Neste fim de tarde, atravessaram as grandes florestas da bacia do Capivari-Pardo, dois grandes afluentes do rio Ribeira. Desde o dia anterior eles estavam nesta grande bacia. O ar do Planalto era mais fresco que o do Litoral, e as florestas, ao contrário da espessa Mata Atlântica, que percorreram desde Antonina até a Serra dos Órgãos, agora era dominado pela mata “suja” com muitas araucárias.

Num determinado trecho da floresta, os rapazes passaram por uma araucária muito grande à beira da estrada, que se destacava das demais. Parecia o Cristo Redentor de braços abertos, conforme anotou Lídio em seu diário.

Logo depois de atravessarem no Rio Pardo numa ponte improvisada, eles escutaram um canto de galo. “Por aqui há alguma casa”, Chefe Beto comemorou. Dito e feito. Logo depois eles chegaram a uma pequena clareira escondida dentro de um pinheiral mais espesso. Havia muitas casas naquela clareira, além de uma grande serraria. Os rapazes logo prestaram atenção ao grande caminhão carregado de toras. Aos lados, muitas pilhas de tabuas estivadas.

Os habitantes da povoação receberam bem os escoteiros. O gerente da serraria os alojou numa casa desocupada. Entretanto, os rapazes não tiveram descanso. Eis que a rapaziada do local os intimou para um futebol, num gramado ali perto. Apesar de cansados, toparam o desafio. O jogo de futebol suíço foi renhido, e no final os visitantes perderam para o time da casa pelo placar de 10 a 8. Nada mau para quem tinha andado tudo que eles andaram desde cedo.

Mas tinha mais. Manduca preparou uma janta. Especialidade: farofa de linguiça de porco, arroz, e um café reforçado com broa de milho. Logo depois, os rapazes da vila se juntaram a eles, e começou uma grande batucada. Lídio tocava uma gaitinha de boca, Canário era, claro, o cantor, e Manduca fazia a marcação com uma colher, repicando na outra. Milton se juntou aos sambistas e ficou acompanhando com um chocalho improvisado, numa latinha cheia de areia e grãos de arroz. Dos rapazes da vila, um tocava cavaquinho e outro, o pandeiro.

Essa noite, felizes com o futebol e o samba, os rapazes tiveram sono de pedra. Cada um arrumou-se como pode.

Quando acordaram, ao raiar do dia, trataram de cair na estrada. Lavaram-se na beira do Corguinho que banhava a vila, arrumaram as mochilas e encheram os cantis de água. As 8:00 iniciaram novamente a caminhada rumo norte.

A paisagem era a mesma, mas agora teriam mais uma serra para atravessar, a Serra da Bocaina. Numa altura de 1400 metros sobre o nível do mar, esta serra era, entretanto, mais fácil de ser atravessada. Para isso, tinham que tomar a estrada no rumo da vila de São Pedro.

Eram 13 horas da tarde quando pararam à beira da estrada, extenuados, para fazer uma ligeira refeição. Àquela altura, segundo Lídio, cada um deles já tinha perdido uns três quilos de peso. Segundo eles brincavam, a única coisa que tinha inchado eram as pernas, por causa das picadas de mosquitos.

As pessoas que encontravam pelo caminho se espantavam com a estranha patrulha que encontravam no meio do mato. Quando sabiam da direção e do motivo da marcha dos rapazes, todos se espantavam: “Que gosto”, diziam alguns. “Que tolice!”, diziam outros. O fato é que a presença deles ali naquele meio era bastante estranha para a população local. Não poucos olhavam para eles com desconfiança.

Depois de atravessarem o rio Tucum, os rapazes chegaram afinal à pequena vila de São Pedro; aqui estavam próximos da estrada Curitiba-Adrianópolis, ou Curitiba-São Paulo. A vila de São Pedro, no entanto, era menos que uma vila. Era tão somente um amontoado de casas. Os rapazes tinham a intenção de acampar ali, mas um senhor lhes ofereceu uma casa abandonada para se abrigarem da noite. A casa era velha, mas estava bem conservada. Com a ajuda de uma vassoura, os rapazes deram uma boa faxinada na casa, que ficou apresentável para o pouso. Dali a pouco, Manduca estava tirando para a turma um delicioso café tropeiro.

No entanto, estavam faltando pães e biscoitos. Lídio foi encarregado de procurar nas imediações. Ele procurou um boteco ou venda, mas acabou não encontrando nada. No caminho de volta, chamou sua atenção um pequeno cercado com quatro cruzes. Eram recentes. Viu também uma grande mancha de carvão ao redor, parecendo ser um local que foi incendiado.

Lídio perguntou a senhor vizinho este terreno. O vizinho contou a Lídio que aquela cena macabra era o que restava de um dos maiores crimes que havia acontecido ali no município. Ali havia uma pequena casa comercial. No cercado estavam enterrados o casal de comerciantes donos da venda, seu filho pequeno de quatro meses de idade e um empregado da casa. Eles haviam sido mortos por outro vizinho, compadre do casal e padrinho da criança. Havia sido um latrocínio puro e simples, somente com o interesse do roubo.

O casal seu filho e o empregado foram mortos, seus corpos empilhados e queimados com querosene.

Lídio voltou rapidamente para a casa abandonada onde estavam seus companheiros. Quando contou a história, todos ficaram apreensivos. Afinal, era, como eles tinham notado, um povoado onde todos andavam armados. As armas estavam à vista, sem o menor cuidado de escondê-las.

Assim, desistiram de procurar mais mistura e jantaram café puro. Trancaram bem a casa e traçaram planos para o dia seguinte, onde iriam sair dali bem cedinho, deixando aquela gente desconfiada para trás.

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